8.3.14

Despedida



É preciso ir além.
Rasgar-se ao meio,
Qual Andrógino grego.
É preciso precisar.
Ultrapassar além do tejo.
Uma casa pequenina,
Na histórica Colônia.
Um banho de mar
em aguas cristalinas.
Jardins da Babilônia.
É preciso transgredir.
Para chegar,
É preciso partir.
Consegues abandonar o teu porto?
Tens coragem de abrir velas e afastar-se,
Talvez até nunca mais?
É preciso partir.
Longes mares te aguardam.
Tempestades espreitam teu caminho.
É preciso abandonar o ninho outra vez.
Rasga-te mil vezes.
Rompe os grilhões que te acorrentam.
Torna-te um desses poucos que inventam.
É preciso sair do meio dos muitos.
Enxerga aquilo que os outros não vêm?
Traz em tua alma os pesados trilhos de um trem?
Abandona a estação antes que a ferrugem
Também devore o que te faz de ferro.
Acorda o pássaro adormecido.
Ergue teus sonhos já caídos.
Por que te deixou congelar?
Vai. Vai correndo. Vai de uma vez.
Vai porque preciso ir.
No caminho dar-te-ás um jeito de costurar.
Se não quiserem ir contigo,
Vai sozinho mesmo, como sempre foi.
O que não te acompanha não te merece.
Precisas de tão pouco para ser o que é.
É preciso partir.
Toma teu rumo.
Não volte atrás.
É preciso ir.
O que não foi já passou.
O que passou, não volta mais.
Pra onde vai?
Não pergunte, apenas caminha.
Na estrada aprenderás a ler o mapa
Escrito dentro de ti.
Mas o que ainda faz aqui?
Vai logo antes que seja tarde.
Veja, já cai o sol no horizonte.
Agora é uma boa hora de partir.

Tecnologia



Nesse mundo tão tecnológico, com mais técnica que biologia, poderia, num derradeiro dia, algum técnico enlouquecer. Então ele se trancaria no laboratório: pesquisa, ampulhetas silenciosas, geriboscas miraculosas, dias, noites, outros dias, mais noites sem dormir, até descobrir. Sairia orgulhoso com seu mais novo invento: uma gerigonça que ouve as mesas de bar. Pôr-se-ia a experimentar.
Uma mesa e outra mesa, seu aparelho ouviria fazendo anotações precisas e matemáticas. Comprovadas como deve ser toda boa ciência. As pessoas fariam filas para saber ou confirmar o experimento.
Um diria:
“ – É loucura essa invenção. Matem esse maluco. Nunca disse tal falsidade.”
Outras, no entanto, pôr-se-iam em profundo pranto:
“- É verdade. Eu mesmo conto o que essa mesa lembrou. Foram nesses exatos termos que meu amor terminou.”
Ainda viriam aqueles amigos, ao tomar conhecimento desse mais moderno invento, pra ouvir a mesa lembrar:
“ – Diga-nos, querida mesa, quantas cervejas tomamos juntos?” E sairiam satisfeitos por terem, por fim, dado um jeito na dúvida que ficaram ao sair.
Pense que maravilha seria, se com o auxilio de tamanha tecnologia, a mesa de bar de tudo se lembraria?]
E você, teria coragem, de se submeter à audição de tal aparelhagem?

Brinde



Um brinde aos desajustados.
Aos que nasceram no tempo errado.
Aos que vieram cedo ou tarde demais.
Um brinde aos poetas entristecidos,
Que fazem versos sofridos.
Aos filósofos que fazem pensar aos demais.
Um brinde de Chardonay em Palermo,
Na noite castelhana de bicicletas na rua.
Um brinde à lua por me escutar.
Um brinde aos que nunca brindam,
Porque estão presos e temem a liberdade.
Um brinde aos amantes transeuntes.
Aos que deixam saudades na mesa do bar.
Um brinde aos que brindam,
Porque sempre findam a se amar.
Um brinde aos que ainda não morreram.
Aos que foram e sofrem sem voltar.
Brindemos porque depois da morte não bares noturnos,
Não escuro nem sol.
Um brinde ao brinde que leva o medo.
Um brinde em segredo.
Desejos de renascer no tempo certo.
Brindemos aos desajeitados
Que se ajeitam na boemia.
Um brinde, enfim, ao fim do dia.
Um brinde nessa companhia
Que me dá alegria em brindar.

Cosmologia



Hoje decidi morrer
Nos braços de um tango.
Beijando a Bossa Nova.
Morrer feito estrela.
Renascer nebulosa.

Almodóvar



Existem pássaros que voam sem asas.
Visito casas que não voam.
Há sempre um espaço entre a pausa.
Para toda dor, existe uma solução.
Insisto na palma que segura a alma.
Noites de tango ao luar.
Em Bar Sur, noite de San Telmo.
A ti me entrego em letra de Almodóvar.
Renascer em tempo não vivido.
Teria eu mesmo nascido?
Morrido cedo demais?
Beija-me noite morena.
Faz-me dormir no tempo.
Ao relento.
Acordar?
Jamais.

Encontro



Naquela noite o tango me arrancou a alma.
O vinho, intenso rubi, sangrou a epiderme.
Era poesia em versos de saudade.
Tom, Tom, Tom, violancelo batendo no piano.
Trim, Trim, Trim, violino dizendo sim.
Musa de cabelos negros derrubados sobre os braços meus.
Quero a noite da alma arrancada sem adeus.
Beijos embriagados de melodia.
Viver a noite sem esperar o dia.
Em Buenos Aires, perdi-me em bailados que afogam a dor.
Encontrei-me em meio ao tango, aconchegado de amor.

Alquimia



Ele era do tamanho do infinito
Dividido em dois.
De um lado tinha tanto amor
Nenhum sonho era impossível.
Do outro lado, mármore envelhecido.
Um dia saiu de casa e
Esqueceu uma das suas metades.
Se desmanchou em prantos.
Arrastando-se sobre uma das asas
Ainda não quebrada,
Encontrou abrigo entre duas rochas.
Agora já não era metade nem inteiro.
Derradeiro, era chuva molhando a pedra.
Ardência pura.
Cadência de voos de coruja no escuro.
Raios de sol rasgaram a nuvem
Quebravam-se no muro.
A outra metade sequer se moveu.
Ficou lá.
A única que sempre foi vista por todos.
Por isso mesmo até hoje ninguém sabe
Que a outra metade também viveu.
Vivia escondida do outro lado da rocha.
Descobriu, tarde demais pra remissão,
Que havia petrificado a metade coração.

Criação



I

Existem mulheres tão bonitas
Que tenho sérios motivos para acreditar
Que Deus as fez nos finais de semana,
Enquanto degustava o melhor vinho do Porto e
Fumava um aromático cachimbo irlandês.

II

Existem mulheres tão belas, mas tão belas,
que tem o direito divino de tornarem-se feias a
qualquer momento e mesmo assim continuar belas,
de tão belas que são em corpo, alma e espírito.

III

Mulher não merece essa coisinha de Dia Internacional da Mulher.
Mulher é dia, é noite, é intergaláctica o tempo todo.
Então não faz mal que se destaque um dia só para nos lembrar disso.
Porque na prática mulher é feitiço.
Porque mulher é o encantamento da vida.
Porque mulher é poesia, é arte, é magia.
Porque dia da mulher é ser Mulher todo dia.

Reminiscência


Houve um tempo no qual já amei.
Era bonito.
Tinha sonhos na alma,
No peito, um grito.
Um tempo que me chamava esperança.
Tinha desejos selvagens.
Espalha beijos de criança.
Um dia, também amei.
O tempo passou.
A criança cresceu.
O selvagem foi domado.
O peito, partiu.
O amor sumiu.
O sonho me abandonou.
A alma, esvaziou.
Hoje estou triste e só
Lembrando o dia que amei.
E amanhã, quem serei?

Abrigo



Escrevo com o dedo na areia.
Sereia.
Grito com a boca no pranto.
Canto.
Viajo no espaço aberto.
Deserto.
Vivo o nascimento.
Pensamento.
Investigo o caso perdido.
Perigo.
A sereia no deserto
Repete o canto do pensamento desperto.
Abrigo.

Invenção



O avião é um passarinho feio.
Parido da cachola de Dummont.
Cresceu demais.
Muita lata.
Nenhum coração.
Se, ao ser registrado,
O escrivão, ao Dumont tivesse
Um “r” acrescentado,
O avião teria mais poesia.
Seria menos enlatado.
Se, em Drummond, Dummont
Tivesse se inspirado,
O avião seria belo e, talvez,
Jamais voado.
Para resolver esse dilema,
Drummond sacou um poema:
Macaco pulando em galho torto.
Dummont, engenhoso, rabiscou um esquema.
Infeliz, inventou a escala em aeroporto.
Avião e poema.
Aviador e poeta.
Coisas que deram certo.
Um leva pra longe.
Outro
Te traz pra perto.

Pescaria



O pensamento é um passatempo.
Coisa que a alma inventou.
Acalma o tempo, a dor e o que já passou.
Pensar. Penar. Passar.
Transbordar o presente
Lançamento de dardos na escuridão.
O pensamento é um passatempo.
Voo sem asas de avião.
Pulo na solidão.
A composição dos ventos é da mesma natureza.
Suspeita da decomposição dos pensamentos.
Degustar um cálice de vinho do Porto
Com a mesma cerimônia que o padre reza um morto.
Não é fuga do tema. Senhores gramáticos.
O pensamento tem essa liberdade e
Menos dilemas que seus supostos argumentos práticos.
O pensamento é um passatempo que não passa.
Espinha a linha do corpo.
Torto caminha rumo ao coito.
Seguro, enfrenta a noite.
Silencia o barulho.
Não teme o açoite.
Foge sem ser perseguido.
Escapa, do grito algoz, ferido.
Sombra que imita a luz.
Enfrenta o diabo carregando a cruz.
Tormenta.
Cutuca o moribundo.
Louco fantasma sem lençol.
Carrega o peixe no anzol.
Flores sem primavera.
Dores de vida em qualquer estação.
Flores de primavera sem verão.
A linha do porto espera o morto.
Valente abatido em batalha real.
Estampido de guerra em espera.
Quisera um dia apenas criança.
Esperança iludida.
Mentira banal.
Vai colher flores nas nuvens.
Ouve atento o mergulho do peixe.
Se fores, do pensamento a linha deixe.
Deixe pensar e pescar em silêncio.
Pescar a noite.
Comer o dia.

Teatro



Se te sofres de solidão.
Saia a Buenos Aires.
Ponha-te a andares.
Vá volver teus pesares
Em plena ópera “del Teatro Colón”.

Surto


Inconstância desenfreada.
Noite fria.
Madrugada.
Inverno.
Inferno.
Geada.
Sol nasciturno.
Parada obrigatória.
Porta giratória.
Vai-e-vem a alma.
Refém da não calma.
Serpentes no peito.
Beijo ardente no leito.
Constante.
Inconstante.
Rompante.
Homem de ferro.
Berro no escuro.
Mulher gato no muro.
Menino falante.
Dia de sol.
Verão.
Arrebol.
Purgatório.
Velório.
Inconstância controlada.
A vida é mesmo
Desenfreada.

Vagalume



A luz, presa ao teto
Vagalume sem asas.
Deixa às claras o
pensamento descoberto.
Asas sem vaga-lume.

Escola



Está decidido. Escolho morrer de úlcera nervosa. Todos escolhem, mesmo que inconscientemente, a forma de morrer. A maioria sempre escolhe morrer de forma inconsciente. Infelizmente são muitos os que também inconscientes vivem.
Ao tomar consciência entrei em crise existencial. Um devaneio alucinado para dentro do desconhecido eu ao qual nunca fui apresentado. Na verdade, a morte foi uma pauta imposta que tive que incluir no planejamento d volta. Caminhos sem sentido, abertos a marteladas por aqueles que julgam saber os motivos e o exato destino.
Começaram, então, com a teimosia reflexiva. Crises nervosas coroem o estômago. Pior efeito, somente o uísque barato que engulo na solidão noturna.
O homem discute a humanidade do alto da tribuna da razão. Economia, política, saúde, arte, educação. Tantos zumbidos repetidos em tons e semitons variados e desafinados. Taquicardia. Ataque de nervos no coração.
“- Vamos criar uma escola!” Grita o profeta na multidão.
“- Vamos!” responde a massa esperançosa prenunciando a enganação.
Inconsciente coletivo. Todos mãos à obra, construindo a máquina da salvação.
O problema surge no dilema:
“- O que ensinar nesse processo paranoico de industrialização?”
Marcham todos e o púlpito do saber é ininterruptamente requisitado. Colóquios, seminários, aulas, pesquisa metafísicas, escrita, palavra dita. Tudo para dizer o já escutado. E a máquina funciona. E o processo tá falho.
Saem dali diabinhos medonhos e anjos fraturados.
Não aguento mais. Já estou dilacerado de vergonha e raiva. Muita coisa enganosa.
Internado, já fui diagnosticado pela mater sapiência:
“-Decretado pela ciência, vai morrer de úlcera nervosa.”

Escolinha



No caminho da escola
O menino pensava.
Na sala de aula ensaiada
O menino caminhava.
Ideias pequenas.
Grande saber resoluto.
Conhecimento diminuto.
Estudar é Narciso.
Brincar é preciso.
No caminho da escola.
O menino brincava e sorria.
Na escola o menino parava,
Perdia o riso e o dia.

Chorar



Às vezes eu choro, mas não é de tristeza, nem de saudade, nem por causa da dor ou do amor. Choro, por causa da certeza de tantas possibilidades da vida perdidas pela mediocridade humana e da minha insignificância de um aceitar solitário. Choro pelo aceitar que não é solidário. Não que me faltem companhias que choram pelo mesmo motivo. Chorar, pra mim, não é covardia e nem desespero, isso não vale nem sequer uma lágrima. Chorar é quando a alma não consegue escrever poesia, é quando a vida é cheia, mas se torna vazia. Viver sozinho é uma opção, mas morrer em conjunto, fingindo ser vida, é covardia. Sonhar com o que é perfeito é falta de razão. Viver como se fosse sozinho no mundo, é falta de emoção. Não ser coerente é falta de coragem. Chorar porque a vida dói é falta de realidade. Apenas reclamar, é falta de iniciativa. . Iniciativa sem responsabilidade é falta de caráter. Às vezes eu choro. Sou um poeta. Não aguento o que é pouco e o que tem regras demais. Minha regra é seguir em frente, mesmo que seja necessário chorar às vezes.

Insolação


O Sol queimou mais um pedaço da noite.
A noite mergulhou em luar ainda ensolarado.
Cuidado com a insolação.
Entre dias e noites confundem-se o sonho e a realidade.
A saudade é o gosto do que foi ainda há pouco.
A esperança, uma centelha que sobrou no coração.
É possível estar vivo mais uma vez ao amanhecer

Afogado



Sentia e sonhava
Com a alma de um século atrás.
Vivia a estrela D`alva
Com a intensidade de dois mundos.
Ansiava, em devaneio
Com a perspectiva de uma década à frente.
Às vezes era poeta.
Às vezes era moderno.
Outras, semente.
Por hábito, cultivava solidão.
Por descuido,
Ainda tinha coração.
Plantou no mundo um menino
Pequenino e faceiro.
Pensou que era jardineiro.
Descascava livros à sombra da laranjeira.
Fumava um cachimbo de benzedeira.
Nunca descobriu nem sequer viu,
Em que mundo nasceu ou viveu.
Era sempre diferente
Daquilo que parecia ser sempre igual.
Era lágrima murcha.
Secou a dor num banho de mar sem sal.

Entardecer


Tarde que anoitece cedo.
Medo de Girassol.
Fuga pelo beco sem saída.
Recaída em Dó, Lá, Sí BeMol.
Saudade aberta na derme fria.
Caída, a alma derrete.
Inerte, coa pela fenda na terra.
Entardecer que nunca encerra.
Sentado na calçada
Se enxerga na pedra.
Espera.
Espera.
Espera....

Infantil


Tenho sonhos de criança
balançando nos teus cabelos.
Tenho medos e esperanças se
entregando aos teus segredos.
Vivo como um Saci equilibrista.
Uma perna real e a outra de artista.
Fumo um cachimbo de Preto Velho.
Moro secretamente na pupila do teu olhar.
Brinco de ignorar o mundo astuto.
Hora sou anjo em cítara.
Outrora, piso bruto.
No final sempre volto a ser pequenino,
Pedindo colo matutino.
Acordo protegido da noite.
Dormido em acordes.
Saio a catar conchas aladas.
Volto para uma cantiga de ninar.
Durmo com sonhos de criança.
Acordo com desejo de não acordar.

A caminhada

Sem conhecer o destino
Chegou a algum lugar.
Braços de menino
Incentivaram voar.
Fica sempre um caranguejo
De saudade no peito,
Pedindo pra não partir.
Por que ficar, sem jeito?
Por que não ir?
Segue o caminho sem pressa.
Tampouco caminhe muito devagar.
Sem conhecer o destino
Caminha, menino, caminha
Sem parar.

Vida noturna

A noite fugia em passos trôpegos
Passa passarinhos e corujas com olhos de bolita.
A noite às vezes é triste, mas sempre é bonita.
Tem lua que brinca de metamorfose
Tem overdose de sonhos e namoricos.
A noite adormece pobres e ricos.
É sempre noite com fôlegos em êxtase
Noites solitárias e noites solidárias.
A noite traz a esperança de outro dia,
Afoga em passado o dia que já se foi.
Dizem que à noite "todos os gatos são pardos".
Mas sempre há leopardos que saem ao anoitecer.
A noite é pra dormir, mas também é pra sorrir,
A Noite é pra viver.

Química existencial

Sou a fusão de dois átomos
Em um complexo sistema
De partículas quânticas.
Sou a simbiose da metásteses
Na hipotética síntese de uma
Rebuscada dialética filosófica.
Sou a ebulição da fervura numa cadeia
Intrínseca na tabela periódica.
Sou um filósofo ermitão
Perambulando pela nova
República de Platão.
Sou um matemático contando estrelas
Elevadas à vigésima potência existencial.
Sou tudo o que desejo ser
Sem preocupação com a contradição
Que vá para o inferno a coerência lógica.
Sou esse que ainda não sei
E que você também não poderá dizer.
Sou você e assim,
Nos desconhecemos estranhamente.

Ateísmo

Quando quero fugir
Da possibilidade da existência divina,
Marcho em fuga reta
Para uma igreja coberta,
Confesso meu medo revelado
Ao primeiro padre bastardo
Que use estola e batina.

Acadêmico

Meu papaizinho
Sequer estudou
Dois ou três anos na vida.
Eu, em pouco tempo,
Fiz duas faculdades:
Uma pra mim,
Outra por ele.

Minha mãezinha,
Que jaz em sepulcro distante,
Nunca escreveu um texto
Científico.
Eu, em tempo exímio,
Fiz mestrado e especializações,
E publico.

Vivo e ganho a vida
Entre os sábios e doutos.
Fico tão absorto
Que ainda não encontrei,
Entre centenas de livros lidos,
Lição de vida e amor maior
Que meus pais já não tenham sabido.

Agora, vendo bem perto,
Entre meus pais e eu,
Sou o único analfabeto.

16.1.14

E se eu morrer?

E se eu morrer amanhã.
Quem tomará meu vinho?
Quem dançará meu tango?
Quem beijará minha flor?
Quem deitará meus sonhos?
Quem amará meu filho?
Quem fará o ninho do nosso amor?
Quem escreverá os versos que ainda me doem?
Quem rezará aos pés da minha amada com tanto carinho?
Se eu morrer amanhã, não me zango.
Meu querido Deus do céu,
Se eu morrer amanhã,
Permita-me terminar esse vinho
Em noite de amor e tango
Bailando em Montevidéu.

El bandonion



Ao som “del bandonion”
Eriçavam-se os pelos.
“Mi corazón”.
Morena uruguaia.
Flor-de-lis.
Atalaia.
Pequena guapa dos meus apelos.
Noite portenha de amores plenos.
Pelos, tango, sereno.
Gauchinha, olhos de jabuticaba.
Domas meu coração “aporreado”.
Flor liberta do tango entristecido.
Baila comigo.
“Recuerdos” longos vividos.
Sonha-me m beijos eternamente dados.
Beija-me em futuros já domados.
Salva-me em teus braços aconchegados.
De onde vem ó minha pequena?
Par onde me leva o som do bandonion?
Leva-me a mais um tango.
Quero bailar em teu coração.

Suicídio



De tempos em tempos é imprescindível praticar pequenos suicídios.
Matar, aqui ou ali, dentro de si, experiências definhadas.
Apagar da memória as páginas rascunhadas.
Permitir-se sofrer de uma morte breve.

Recolhe-te dentro de ti mesmo.
Vá preparado para uma batalha.
Leve todas as armas necessárias.
Muitas delas falharão.
Morra dos excessos de si.
Ataque sem piedade aquilo
Que já não te serve mais.

Não é necessário cultivar muitas memórias para ser lembrado.
Inevitavelmente será esquecido. Por muitos, sequer conhecido.
É uma burrice humana essa coisa de se imortalizar.
Esteja pronto para sacrificar os demônios, disfarçados de anjos sapecas.
Não se iluda.
Cuidado.
Existe muito mais num pedaço de papel guardado, que uma simples lembrança.
Sente-se, confortavelmente no meio dos teus arquivos.
Rasque tudo o que puder.
Atenção!
Não excites.
Eles são bons conquistadores e não precisam muito esforço para te fazer desistir.
Segue firme e resoluto.
Você já é realmente adulto o bastante?
Desapegue.
Respeite apenas os livros, pois eis que estes sempre são outros a cada visita.
Jogue fora.
Queime.
Dilacere.
Livre-se de tudo o que te causa demasiada nostalgia.
Viver é preciso.
Morrer, também.
Não se consegue ir muito longe com um fardo muito pesado.
Sim, doerá e talvez você tenha que parar um pouco pra chorar.
Pare se for preciso.
Jamais volte atrás.
Não te arrependa.
Atire de modo certeiro para que não reste suspiro de misericórdia.
Vai, olhe nos teus olhos.
Olhe e puxe o gatilho.
Morrer é sabedoria.
Renascer é dolorido.
Morre numa noite fria.
Campo florido.
Atire.
Morte metafísica.
Talvez você não sobreviva.
Suicídio da maldade.
O que é a vida,
Senão aprender a morrer
De verdade?

O pulo do gato

O gato desceu do telhado.
Caminha sobre o muro e sob a lua
Observo, debruçado sobre a janela.
Sou sentinela em noites de verão.
Os olhos do gatuno estão esbugalhados.
A noite me é distante e nua.
O gado pulou do muro.
Morreu no escuro.
Olhos de felino destacados.
Estrelas de menino da escuridão.

14.1.14

Nudez

Despir palavras ocultadas na alma.
Calma despida no silêncio.
Silêncio gritante no corpo.
Ambulante que morre no caminho.
Caminhar é preciso.
Pensar demais é um risco que encurta a estrada.
Despidas, lado a lado, almas e corpos.
Destendido no lapso da memória apenas o desejo.
O beijo. A vontade. A ousadia.
Despir a noite do dia.
É preciso ir além de si mesmo.
Enfrentar o medo.
Quebrar o egoísmo.
Pular o abismo.
Despir-se.
Despedir-se.
A vida é cinema mudo.
Encontros despidos de tudo.

Ritmo


O tempo é o pensamento em tormento.
Corre. Corre e nunca morre.
A pausa é vida em morte lenta.
Lenta. Lenta. Lenta.
Quem nunca tenta,
Nunca experimenta.
Quem se arrepende.
Aprende. Prende.
Não lamenta.
Inventa.
Você é pausa ou correria?
É noite ou dia?
Tic-Tac, Tic -Tac.
Plic -Plac.
Onomatopeia gramatical.
Viver o tempo não faz mal.
Pausar a vida?
Decisão mortal.
Corra, mesmo que morra.
Invente, mesmo que de repente.
Só os covardes pedem pausa.
Só os fracos param o tempo.
Desculpas não justificam.
Subterfúgios não explicam.
Os tormentos amplificam.
Amplie seu dom.
Ou vai morrer em baixo tom.

Morrer



Se eu morrer amanhã posso dizer que venci.
Não porque ganhei, mas porque nunca desisti.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que amei.
Não porque sou feliz, mas porque sempre sonhei.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que sorri.
Não porque fui triste, mas porque já chorei.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que conquistei.
Não porque fui romântico, mas porque me entreguei.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que tive brilho.
Não porque sou luz, mas porque tive um filho.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que fui herói.
Não porque conquistei reinados, mas porque superei o que dói.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que estive vivo.
Não porque nunca morri, mas porque enfrentei o perigo.
Se eu morrer amanhã, não poderei dizer.
Não porque mortos não falam, mas porque me atrevi a viver.

Desertos



Dias que passam.
Passageiros vão e vem.
Passarinhos sem asas.
Astronautas no trem.
Dias que afastam.
Forasteiros sem casas.
Anjos pequenos
Saltitando na alma.
Homem forte.
Pedra inquebrável.
Menino agora.
Vulnerável.
Às vezes a solidão
É uma dor necessária.
Evita dor maior.
Vulcão com lavas frias.
Homens distantes.
Transeuntes.
Passageiros do além.
Sonetos cancioneiros.
Tambores de gritos libertos.
Desertos. Desertos. Desertos.

Rua Bacacay



Saíram para um passeio. Um desses recreios bons que se permitiam vez ou outra. Cruzaram a rua para o outro lado que continuou a ser o outro lado do lado de cá. Ele pensou por um momento nessas armadilhas da linguagem. Acendeu um cigarro. Segurou a mão da amada. Seguiu com um sorriso maldoso no rosto como que se tivesse enganado a lógica.
Na rua caminharam de mãos dadas, lado a lado. Na praça, beijaram-se, frente a frente. No café, degustaram-se, presença a presença. Não precisavam falar muito. Palavra demais é ausência. Conversaram longamente em silêncio.
De onde estava ela, admirava o Teatro Solís. De onde estava ele, via a livraria na qual há pouco havia comprado um disco de Gardel. Antes da livraria enxergava ainda a fachada antiga num prédio antigo na antiga Rua Bacacay. Antes mesmo da antiga fachada, no antigo prédio, eles também estavam e se avistavam na Rua Bacacay. Leu um letreiro logo acima da sua cabeça, que dizia: “Café Bacacay.” Ela continuou a leitura de um livro que comprara há pouco na lojinha do Teatro Solís.
Ele continuou a olhar a rua e antes, bem antes de ver a livraria, de lembrar-se de Gardel, antes mesmo da antiga fachada, no antigo prédio, antes, depois e dentro da Rua Bacacay, antes, muito antes, mas com tamanha antecedência que nem lembrava o que vinha depois, enxergava e admirava ela. Ela que era antes de tudo aquilo e que tinha um sorriso digno de ser sorrido na rua Bacacay.
Tomou seus negros olhos emprestados e viu a livraria sendo lida, Gardel ouvido, o teatro encenado, a fachada fechada se abrindo. A rua antiga de vida nova foi florindo. O letreiro soletrou um verso para cada letra. O café, degustado ao infinito. Bacacay, de silêncio, passou a ser grito.
Caminharam mais um pouco naquele dia. Ela lhe serviu doce de leite na boca, com lasciva e alegria. Com o mesmo sorriso que fez florir a rua Bacacay.
Quando voltaram pra casa, lembrou-se que havia lhe tomado emprestado os olhos negros. Devolveu-os cuidadosamente. Foi assim, que ao findar o dia, finalmente entendeu porque ela veio. Ele precisava ver além do olhar. Ser, além de estar. Ir mais vezes do que voltar. Estava cego e ela lhe acendeu um vaga-lume no caminho.
Talvez um dia eles voltem a passear pela ruela da velha Montevidéu. Irão sentar novamente no Café Bacaccay, na rua Bacacay de onde se pode ver a Livraria e o Teatro. Então ele abraçará suas mãos e lembrarão o dia que saíram para passear e se permitiram mais um recreio na rua Bacacay.

Verdades



Um dia você aprende que existem verdades condenadas ao teu silêncio. Não fale de todo amor que sente. Oculte, em noites solitárias, as dores que sofre silenciosamente. Um dia, talvez já tarde demais, descobrirá em tua alma, verdades que já deixaram de ser tais como eram. Deita teu corpo sobre a ponte no Porto. Sente o vento que leva sempre um pouco de você em cada sopro? Ouve o acordeom chorando ao lado, nas mãos de um músico triste? Os poetas, os músicos e os pardais tem direito a serem cinza e tristes. Para aliviar tua dor, senta na ponte. Contempla o pôr do sol em Puerto Madero.
Amanhã, para onde vai?
Não importa. Um dia também se aprende que nem sempre quem vai também volta. Entre estrangeiros também estranha a tua própria presença? O diferente desnuda o que parecia igual e comum. Mas em tua terra também não se encontra estranhamente? Não se preocupe meu menino. Segue teu caminho sempre em frente. Um dia você aprende que na vida não existem muitas verdades como desejava em tua juventude. Carrega contigo, então, todas as perguntas.
As respostas?
Respostas são verdades fugitivas que vocês esqueceu de por em cárcere privado sob a tutela de pergunta certa.

Maldita Dogma


Naquele dia, ao entrar na Paróquia de San Telmo, o peso divino feriu minha alma com espinhos arrancados da coroa do Salvador. Não que Deus exista ou sofra eu dessas “desaventuranças”. Mas a Igreja com sua maldita dogma, sempre soube nos fazer lembrar a pequenez humana. Nisto, deve-se a Mater Misericordiae todos os créditos. Senão assim, o que explicaria as centenas de pessoas que se acumulam aos milhares derramando pranto nos altares do senhor Jesus?
Não me falta luz nessa vida confusa e barulhenta. Contudo, ao entrar na igreja e me ver defronte à cruz sangrenta, o mundo pareceu bem mais escuro do que é. Admitir é necessário. Até então, não descobriu a psicanálise cura mais simples que essa da Igreja que te faz aceitar o próprio e pesado calvário.
Vez ou outra, chorar é bom, mesmo que seja escondido por detrás da pilastra onipotente que se ergue aos céus. É o infinito te fazendo lembrar-se da finitude.
Ergo-me. Sigo sozinho. Sempre se está só no mundo. Ainda espantado com os que não aprenderam a caminhar só, e ficam ali, rezando ajoelhados:
“– Deus, óh Deus, ajuda-me a levantar. Amém”

28.7.13

Tristeza que visita


Às vezes a Tristeza bate à porta. A recebo simpático. Sirvo-lhe uma dose de uísque 12 anos; uma taça de vinho rubi do Porto ou uma espumante, à sua preferência. Tem gosto refinado a Tristeza. Sentamos lado a lado e temos nosso momento. Ela me visita de quando em quando. Às vezes vem vestida de Angústia. Outras vezes fantasiada de Saudade. Há dias em que se enfeita com um colar estranho de pequenos Medos redondos. Sempre a deixo entrar, pois ela tem seu valor também. Fica por pouco tempo, alguns minutos, até algumas horas, mas nunca permito que permaneça por mais de um dia. Quanto terminamos nosso desregrado encontro, dou-lhe um abraço amigo. Abro a porta e ela sai. Sai com mais pressa do que chegou. Ela sabe que correr perigo se ficar muito pois eis que a Alegria já está se espremendo pelas frestas, transbordando pelas janelas e enchendo todo espaço novamente. A Alegria não bate à porta, entra. Não pede bebida, serve-se à vontade. Não senta ao meu lado, me despe e vai logo me amando. Não veste fantasias nem usa colares estranhos. A alegria vive em mim. A tristeza apenas me visita. Regras são regras, e minha regra é de que moradores tem preferência à meros visitantes.

Anjo torto



A noite passada um anjo torto veio me visitar. Pediu gentis desculpas pela sua "desangelical" beleza, mas era o único anjo que aceitou me dedicar alguma atenção.
- "Não te preocupe com isso, meu caro." Falei ainda confuso. "Pois eis que também sou torto na minha forma de ser."
Sentou-se sobre o criado mudo ao lado da cama. Serviu-se de uma taça de vinho. Olhou distante. Depois degustou o vinho em silêncio. Aguardei também silencioso. Afinal, quem seria ousado de interferir naquilo que os anjos fazem. Por mais estranho que sejam?
Serviu outra taça de vinho e a colocou no chão, logo à frente dos seus pés pequeninos que balançavam no ar. Suas asinhas reluziam ouro. Exalava um perfume de lírios do campo. Olhou nos meus olhos com tal profundidade que me senti constrangido. Disse-me, então:
- "Ser um pouco torto às vezes é bom, porque nos possibilita ver a vida como ela é, ao invés de imagina-la sempre reta."
Continuei em silêncio. Um silêncio inquietante que elevou minha taquicardia à milionésima potência.
- "Vim apenas dizer que um anjo belo, cujo sorriso furtou do Deus Sol, virá amanhã para te encontrar."
Pegou a taça de vinho no chão e saiu apressado pela janela.
Dormi como se fosse só um desses sonhos malucos que o inconsciente traz.
Hoje acordei com a esperança na alma. Com um pouco de dúvida e estranheza passeio o dia desejando que o sonho poderia ser real.
Chegou a noite novamente. O sol brilhou e não recebi a visita do anjo anunciado.
Vou dormir novamente, sem desejo de sonhos místicos. Não quero saber dessa história de anjo torto pregando mentiras malvadas com o coração. Contudo, deitarei em meu leito com uma dúvida:
- "Foi pura maldade ou preciso aprender a não duvidar do improvável para que o provável aconteça?"

Que assim seja



Que o dia seja vento.
À noite seja furacão.
Que a tua vida seja meu pensamento.
O pensamento: realização.
Tempestade que traz calma.
Alma que se agita ao te ver.
Que o sol seja vida e a lua do teu viver.
Que o desejo seja ardente.
Arde o corpo no quente abraço teu.
Que este verso deixe de ser esperança.
Que a presença mate a ausência.
Que o dia seja vento soprando a noite para nos acolher.
Que a vida seja momento.
Que o eterno seja o breve.
Que a brevidade traga a realidade de ter você.

Cardápio


Uma porção de trabalho salpicado com intervalos regrados de poemas curtos.
Mexer constantemente com boa música. Atenção! Precisa de leveza.
Repousar em reflexão de tempos em tempos para não deixar com sabor de saber enlatado.
Separe um espaço no pensamento para refogar um amor distante ainda não realizado.
Para acompanhar: uma taça de vinho do porto, intenso rubi.
De sobremesa um pouco de esperança porque o futuro é o hoje em concretização.

Gramática, Lágrimas e um Cigarro.


Aquele sentimento estranho, que às vezes faz a alma chorar, chegou novamente na sexta-feira à noite. Dias são apenas dias, mas o que acontece neles não são apenas acontecimentos. Quando chegou, abriu uma garrafa de vinho. Boa safra que reservara com carinho, justamente para os dias que acontecem coisas que fazem a alma chorar.
Não era tristeza. Tão pouco era angústia. Estava feliz. Mas alma também chora de alegria. Embora alegria e felicidade não sejam sinônimos. E existe gramática para dizer o sentimento? A gramática é fria. Quente mesmo é a poesia, Por esse motivo que a gramática foi gentil e liberou o que chama de “liberdade poética”.
“PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.” (Oswald de Andrade)
Ninguém lhe deu um cigarro. Fumou o tempo e secou as lágrimas, sem se importar com a gramática. Analogia é permitido.
Quando tempo para movimenta o pensamento. Movimento turvo e complexo. Direito de quebrar a regra pra fazer nascer um verso. Técnica ou vinho demais? O que importa não é a regra torta que se aprende no colegial. O que faz valer a pena é se a alma fica serena após a primeira taça.
A Alma chora. O corpo implora. A razão desfaleceu. Morreu sufocado sem ter beijado a amada que conheceu. Que coisas aconteceram? Por que a alma chorou? Porque ama demais ou porque descobriu que nunca amou. Por favor, “deixa disso camarada, me dá um cigarro.”

Esclarecimentos

- Do que se trata?
- Das linhas ainda não escritas, das palavras ainda não ditas, do olhar ainda não confirmado revelando a sinceridade das palavras proferidas, trata-se de vida, de sonho, de fantasia, de magia que parece mágica, mas é real, trata-se simplesmente disso, um texto em co-autoria sobre vida, alegria, carnaval com o aval da carne e dedicatória da alma.

Fluir



Flautas fluem canções,
Flores dançam ao ritmo do flautista.
Corações colhem flores na floresta.
Fluir para além da alma.
Canções de poeta.
Flores discretas.
Alma de artista.
Fluir.

Gelo na calçada



Sentados na calçada lúgubre e fria,
homens de gelo refletem.
Diante dos transeuntes frios e calçados,
homens de gelo derretem.
Lado a lado, em fileira mórbida.
Cabisbaixos e indiferentes.
Homens de gelo sentados na calçada,
observados por tanta gente.
O que querem dizer?
Nada dizem.
Derretem.
Quais são mesmo os homens de gelo?
Os que enxergam com olhar quente ou
os que se desmancham em agua viva
diante de tanta gente?

Temporais


Os anos são contadores equivocados
Questionam tempos não vividos.
Perdem tempo com tempos errados
Necessário é viver os tempos vindos.
O tempo futuro supera os passados.
A derme coberta de derme descoberta.
Despertar é hoje, é infinito.
Viver o que se vive é porta aberta.
Tempo ido, tempo vivido, tempo de passar o tempo.
Cobertos de derme
Banhados em pensamentos.
Nunca é viver demais
Apesar dos temporais.

Caçada


Hoje sai de mansinho pra caçar passarinho.
Pedra e bodoque na mão.
No coração, um punhado de esperança.
Como no tempo de criança,
Passar o final de semana no meio do mato.
Comer bergamota, atirar pedra em vespeiro,
Só pra ter o porquê correr.
Sai assobiando, com galochas de borracha.
Ir para um lugar onde ninguém me acha.
Roubar melancia da lavoura da própria tia.
Depois, bem devagarinho, assustar os gatos do vizinho.
No final da tarde de domingo, ouvir um grito vindo lá de baixo do monte:
- "Vem pra ‘caaassaaa meniiino’. É hora de tirar o ‘leeiiite’ ."
Gritava minha mãezinha.
Descia correndo, igual cabrito.
É um dever atender, da mãe o grito.
Rola pedra.
Pega espinho.
Igual gata-cega desviando o caminho.
- "Pegou muitos?" Perguntou a mãezinha;
- "Já fiz a polenta."
- "Peguei nada, mãe, hoje é só polenta que tem.
Deixei-os voando, vou caçá-los semana que vem. "

Aula

Silêncio!
Pediu o professor exigente.
Ensinou muita ciência.
Mas a verdadeira sapiência,
não deveria ensinar a ser gente?
Isso nem sempre se aprende na escola.
A vida autêntica não admite "cola".
" - Você precisa aprender", dizia o professor.
A aula deveria ensinar menos argumentos e mais amor.

Saber


Ensinava gramática.
Não sabia que prática tem mais valor.
A teoria, às vezes se aprende depois.
Saber ser sozinho é apreender a ser dois

Gestor



Pensava ser gestor só porque era professor.
Não aprendeu a lição.
Ensinava sem saber
que avida é constante aprender.
Reprovou o aluno burro
Sem saber que os apuros
é que ensinam a viver.

Lição



Enquanto professor fez coisa alguma.
Apenas provocou o pensar.
Arrependido porque o aluno
não havia compreendido.
Fez repetir a lição,
Mal sabia ele em sua egocêntrica sapiência,
Que vida é mais amor do que ciência.

Incerteza


Admirava, discretamente, meu verso indiscreto.
Era prudente mesmo que ausente.
Era feliz mesmo que às vezes triste.
Admiro quem resiste.
A vida é coisa complicada.
E quem disse que toda matéria deve ser explicada?
Coisa de professor que quer tudo certo,
Mal sabe ele que a vida acontece no momento mais incerto.

Alminha


Diziam que ele tinha alma vazia.
Na verdade, estava cheio de poesia.
Chorou. Sorriu. Cantou e partiu.
Um verso sempre tem seu inverso.
Um beijo, às vezes se realiza,
Outras vezes é só desejo que se perde na brisa.
Diziam o que muitos dizem.
Faziam o que muitos fazem.
Agiam como muitos agem.
Pensavam ser Caciques,
mas eram Pajens.
Desejavam ser reais,
mas eram miragens.

Exigência


Eu disse que a alma cansa.
Você me quer adulto, sou criança.
Me considera adúltero, sou confiança.
Deseja o corpo, só tenho alma.
Não tenha pressa.
Sou muita calma.

Arisque


Nunca risque da lista um bom uísque.
Nunca diga jamais.
Quem sabe o tempo também cansa.
Esperança é coisa de butique.
Arisque.
Às vezes, menos é mais.

Fotografia


Ele pousou, pra foto de pensador.
Tudo o que se deu valor como virtude,
Na verdade era dor em ápice de latitude.
Não compreendeu a geografia.
A noite faz parte do dia.
É estranho, eu sei.
E quem disse que pra ter castelo
precisa ser rei?

Digitação


Aquilo que escrevo não é tudo o que desejo.
Aquilo que penso, nem sempre vale o apenso.
O “word” nem tudo corrige.
A vida, nem sempre dá o que você exige.
Por isso, evite o rebuliço.
Faça tudo o que deseja.
Vida tudo o que quer vivido.
Tempo só pensado
É sempre tempo perdido.

Surto

Num surto sou surdo.
Numa ação sou reflexão.
Numa paixão sou emoção.
Na pluma sou bruma.
Na vida sou guarda.
No momento sou tormento.
Na filosofia sou poesia.
No Direito sou esquerdo.
Na Educação sou ação.
Na poesia sou alma vazia.
Na vida sou turbilhão.
Na noite sou dia.
No dia, escuridão.

Post

Quem tem beleza publica foto.
quem é crente, publica que é devoto.
Quem é político, pública o voto.
Eu que não sou crítico,
publico grito,
silêncio evoco.

Poesia e Sexo


Não quero o reflexo.
Quero a imagem.
Não quero só verso.
Também é bom o sexo,
Selvagem.
Não quero só poesia.
Gosto de alegria.
Não quero só o amor.
Quero calor.
Não quero só paixão.
Poesia e sexo têm quer tesão.

Sexta-Feira


Para alguns, sexta-feira é dia de festa.
Para outros, sexta-feira não exige pressa.
Há quem defenda, que sexta-feira é dia de venda.
Tem que argumenta, que na sexta-feira tudo se tenta.
Para o supersticioso, na sexta-feira morre um teimoso.
Para o poeta, a sexta-feira é indiscreta.
O filósofo, ainda está pensando...
Para o boêmio, sexta-feira é dia de prêmio.
Para o amante, sexta-feira é dia de tesão.
Para o caloroso, toda sexta-feira deveria ser verão.
Para o comerciante não importa o tamanho da sexta, todo dia é dia de feira.
Para o paranoico, não precisa diagnóstico.
Para o casado, sexta-feira é treze.
Para o padres, sexta-feira é santa.
Para o cantor, sexta-feira é dia de gastar a garganta.
Para o filho, todo dia é brilho.
Para mim?
Que a sexta-feira seja assim,
ou como você quiser.
Sexta-feira é para o que der e vier.

Calçada


Sentou.
Esperou na calçada.
Mendigo do amor.
Saudade da amada.
Levantou.
Foi pra outro lugar.
Saudade se mata.
Calçada é pra pisar.
Mendigo deve andar.
Amor é pra amar,
Não pra sentir saudade.

Dor de amor


Se você diz que a dor é de amor.
Está enganado.
Ou não tem dor ou é amor estragado.

Tolice

Quem foi que disse que há tolice no amor?
Quem foi que explicou porque o mundo ainda não acabou?
Quem foi que compreendeu tudo o que aconteceu?
Quem foi que acreditou no apocalipse?
Não sei quem foi.
Mas sei quem disse:
"Na vida jovem não espere a velhice
pra se arrepender de ter amado,
feito o mundo se acabado numa tolice
que não tenha experimentado."

Aquecer


Lareira aquece o corpo.
Para a alma, vinho.
Reto ou torto.
Calma ou pressa.
Atravessa o caminho.

Noite solitária.
Solidão da lua.
Sozinha estrada.
Pele nua.
Alma amada.

Vida solidária.
Passageira dor.
Sonhos em fogo árduo.
Desejos de sabor.
Beijos na boca imaginária.
Da amada púrpura,
Luxúria, prazer e flor.

Real


Livre como o vento.
Pensamento liberto.
Tulipas no deserto.
Sentimento.

Livre qual criança.
Sorriso na boca.
Vontade louca.
Esperança.

Livre como a liberdade.
Sem medo.
Cheia de segredo.
Realidade.

Crime ou castigo

E agora meu amigo?
A taça secou.
O fogo pagou.
A noite dormiu.
O dia sumiu.
A lua está distante.
O sonho é errante.
A vida é sozinha.
A pedra no caminho.
O sono chegou.
A coberta me espera.
O amanhecer é possível.
Viver é previsível.
Morrer é possível.
E agora amigo?
É crime ou castigo?

Traça estranha

Segurava, de vinho cheia a taça, quando olhou os livros e viu correr uma traça. Levantou-se, estupefato, e súbito gritou:
- "Mas que sem graça. Desgraçada ainda te mato."
Que absurdo estupendo. Era efeito de muito vinho ou a traça ridícula estava mesmo lendo?
Coisa estranha, a imaginação tamanha que produz a embriagues. Quem é feio, olha-se bonito no espelho. Quem é pobre pensa que é burguês. Quem é chato, defende que isso não é fato.
Divagação tamanha, observar a lareira. Queima sonhos, queima, ar, queima lenha. De muitas coisas, existe uma que sempre é bonita: alma que grita.
Guarda o livro. Assopra o vento. Vai o frio, volta o pensamento.
- "Não acredito." Suspirou o maldito;
- "Isso já é façanha. A dona traça, assustou a arranha."
Guardava, de vinho vazia a taça, quando olhou a alma e perdeu a graça.

Intensidade

Que a vida seja intensa.
Que a intensidade seja imensa.
Que a imensidão seja mais extensa.
Que a extensão seja presença.
Que a presença seja vida intensa.

Ardência

Lareira arde.
Ardo.
Amanhece.
Tardo.
Noite escurece.
Lareira aquece.
Eu?
Esquece.
Sou ardência.
Aquecimento.
Ausência.
Fardo.

Dizeres

Dizem que a vida é mais real que a poesia.
Dizem que a noite é mais escura que o dia.
Dizem que o frio é mais triste que o calor.
Dizem que os sonhos, só trazem dor.
Dizem que os outros dizem tantas coisas diferentes.
Dizem que há mais maldade do que gente.
Dizem dizeres que tantos inventaram.
Dizem que você só acredita em tudo isso,
Se viver o mundo que os outros criaram.

Eu, poesia

Eles diziam que eram sérios.
Eu, pobre e mistério.
Diziam que eram flor-de-lis.
Eu, quadro negro com risca de giz.
Eles e Elas se confundiam na noite.
Eu gemia sobre o açoite.
Pobre coitado, se compadeciam.
Mal tinham a ciência,
Pobres e coitados eram os sem paciência.
Eles diziam que eram a luz do dia.
Eu, pura nostalgia.
Eles só viviam.
Eu sonhava enquanto eles morriam.
Eles eram seguros, dotados de razão.
Eu, escuro perdido em emoção.
Eles pensavam.
Eu agia.
Eles eram ciência.
Eu, poesia.

Roupa com frisos

Estou profundamente triste.
Ao sair de casa, pedi um riso.
Quando retornei, a faxineira que insiste,
Encheu minhas calças e camisas de frisos.
Não quero roupa passada à moda antiga.
Quero uma vida apaixonada e amiga.

Literatura e esperança



A literatura é sempre alma pura. Viver é um ato de imprudência. Escrever é uma ação da liberdade. Quando encontramos a noite no meio do dia, significa que a alma exige mais poesia. Quando encontramos luz, no meio da noite, significa que começou a esclarecer o que é obscuro.
No seio de cada um existe um turbilhão. Paixão é coisa que acontece. Amor é um talvez que ninguém entende. Todos conhecem e sabem prescrever milhares de fórmulas mágicas sobre a vida. Mas automedicação é sempre desaconselhável. O que fazer com aquilo que arde no peito e se espanta diante do infinito da existência? Persistência. O tabaco e o álcool agem sobre os neurotransmissores. Drogas depressivas ou realistas? Persistir é uma ação que exige paixão.
Quando não nos apaixonamos, não nos encontramos não nos entregamos, não chegamos aos objetivos.
Dizia um velho sábio, assim como se aceita como sabedoria tudo o que vem dos velhos:
- "Pequeno filho, sonhe à vontade e a seu prazer. Mas não sonhe o suficiente para que não tenha tempo de viver."
Escrever é transbordar sonhos, vida, noite e dia. Escrever é sonhar na forma de poesia. Escrever é viver a tristeza com gosto de alegria.
A filosofia é algo muito estranho. Faz pensar que às vezes você pode ser maior que o teu tamanho. São tantas ideias que começam a chegar na cabeça. Filosofia é saber morrer antes que você padeça.
A literatura é sempre alma pura. Por mais intensa que seja a amada, nunca terá amor que sempre dura. Viver é uma coisa bem esquisita. Existe beleza onde há feiura. Às vezes, existe face feia que tem alma bonita. Beleza, inteligência e vida, é coisa rara que só se encontra na literatura.
Solidão é um desafio sombrio. Nenhuma sombra faz sentido se não houver um ente querido esperando do outro lado. Paciência exige muito esforço e incerta recompensa. Por que correr o risco? Toda festa exige música, risos, bebidas e petisco.
Literatura é coisa inútil, mas mesmo assim, teimam em escrever. Antes de questionar a utilidade de alguma coisa, pergunte antes se é útil viver.
Não sei por que escrevo. Não sei que sentido isso tem. Escrevo porque as palavras não ficam quietas no pensamento. Escrevo porque os sonhos também são vida. Escrevo porque a solidão é uma atitude. Escrevo porque a poesia nasce repentinamente. Escrevo para deixar na dúvida, se sou feliz ou vivo tristemente.
A literatura é sempre alma pura. Não confie no que escrevem os poetas, são atormentados constantes. Nunca acredite nos literatos, só espalham boatos. Mas afinal, em quem confiar? Confie apenas nas crianças, são as únicas que vivem sem nada precisar...

5.6.13

Trabalho e vida - Ao meu filho – verso IX

Trabalho todos os dias.
Trabalho com afinco e profundidade.
Trabalho a contar dos dias,
somando todos os dias, da minha idade.
Trabalho para desacomodar os acomodados.
Trabalho para incomodar os que ficam,
Com meu trabalho, incomodados.
Vivo quase todos os dias.
Eis que noutros dias, apenas trabalho.
Mas vivo dias que valem dobrado
todos os dias de trabalho contados.
Vivo para viver, com tal grandiosidade
Que no futuro, mesmo que já seja passado,
Ao olhar minha vã biografia, num passageiro dia,
Meu filho tenha vivido mais do que trabalhado.
Vivo para que lhe sobre algum tempo para descobrir,
Que trabalhei para vê-lo vivo,
Vivi, para tê-lo amado.

9.4.13

Crisálida

Hoje encontrei uma lagarta e ela me disse:

- "Sou uma Lagarta, é o fim do mundo. Nada vai dar certo."

Ri em silêncio e pensei comigo mesmo, caso eu fosse a lagarta, diria:

- "Eu era uma lagarta. Cumpri meu papel de lagarta com força e coragem. Agora tudo deu certo. É o início de um novo mundo. Vou virar borboleta."

7.3.13

Benditas mulheres

Benditas sejais vós que sois mulheres.
Mulheres de almas plenas que ensinam amar.
A mulher que habita a alma
é força que traz a calma
é ventre em estrelas a brilhar .

Feliz dia das Mulheres que todos os dias fazem felizes até mesmo os dias mais tristes.

17.2.13

Pronome de tratamento


Quem, um dia iria dizer,
que o rebuscado: "Vossa Mercê",
transformar-se-ia, ao amanhecer,
na beleza simples que é: "Você".

Amo

Amo porque sou poeta. Amo porque a boemia discreta me empresta o brilho dos dias e a companhia das noites. Amo porque o amor é breve. Amo porque a vida é leve mesmo quando pesada pelos anos de ausência. Amo pelo amar. Amo meu filho. Amo o brilho das joias lindas iluminadas pela beleza da joia mulher. Amo porque amar é amplo. Amo porque me encanto com as inúmeras possibilidades do amor. Amo as pedras que ensinam o silêncio e a resistência. Amo os guerreiros que enfrentam com força e paciência. Amo os fortes porque vencem. Amo os fracos porque sem eles não haveria força alguma. Amo o pavão e suas plumas, uma galinha em flor. Amo porque não sei dizer o que é amor. Amo porque amar é presença que se revela na ausência. Amo, porque amo e quando me engano amo me corrigir. Amo porque amar é saber chegar, é saber partir.
(Sidinei Cruz Sobrinho. Santa Maria - RS, 17 de fev 2013.)

30.1.13

A função pedagógica da tragédia. Uma triste, mas necessária reflexão.



Inquestionável a dor. Inevitável o luto. Indubitável o temor. Instintiva a compaixão. A tragédia bagunça a alma.
Os gritos ecoam silenciosamente pelas ruas. O medo se banha no luar e acorda, ao amanhecer, refletido pelo sol nos olhares perdidos no horizonte cinzento. É estranho se reconhecer no outro nunca conhecido. Dói viver diante da dor de morrer. Um suicídio lento jamais concretizado. Passado, presente e futuro paralisados. Medo, compaixão, raiva, saudade, amor, responsabilidade, tormento. Necessária a purificação dos sentimentos.
Os antigos gregos usavam a tragédia como forma de reflexão social. Para o filósofo Aristóteles, a função da tragédia é de, por meio do temor e da compaixão, purificar os sentimentos. A catarse (termo hoje amplamente utilizado pela medicina e a psicologia) deveria purificar as almas por meio de uma intensa liberação emocional provocada pelo drama. É a partir das tragédias que se desenvolveu a filosofia socrático-platônica e, com ela o conceito de alma (psiché). De acordo com esse pensamento o homem só pode conhecer o mundo quando conhece a si próprio. “Conhece-te a ti mesmo.”
Na peça, “Antígona”, Sófocles, narra o drama de Antígona cujo irmão está morto e foi proibido pelo rei Creonte de ser enterrado. Caso ela não enterre seu próprio irmão, não lhe concederá o culto religioso que completará o ciclo da vida. Esse seria um erro terrível para com sua família. Se Antígona enterrá-lo, cometerá um crime contra a cidade (Estado) visto que o rei proibiu que qualquer um o enterrasse.

Milênios depois de “Antígona”, vivemos drama semelhante na tragédia que levou ao chão mórbido, centenas de irmãos mortos. O mesmo conflito entre o indivíduo, as famílias e as leis do Estado. Por que permitimos isso se a lição já havia sido ensinada? Sim, somos todos culpados. Por ação ou omissão somos culpados. Tanto a indignação que sentimos em relação aos que agiram de forma negligente quanto a compaixão que sentimos pelas vítimas e familiares, comprovam a culpa coletiva. Precisamos purificar os sentimentos. De forma dolorosa a catarse se faz necessária. Não se trata de expiar a culpa com duras penas. Trata-se do conhecer a si mesmo diante da tragédia. A função pedagógica da tragédia nos leva à triste, mas necessária reflexão sobre a parcela de culpa que temos por não tê-la evitado.
Inquestionável a responsabilidade dos (des) organizadores e “profissionais” que não tomaram as providências necessárias para garantir o direito ao lazer com segurança e proteção à vida. Inquestionável a responsabilidade do Estado que cria leis, mas não fiscaliza com seriedade. “As leis não bastam, porque os lírios do campo não nascem das leis”, é preciso cultivá-los além de querê-los. Inquestionável a nossa responsabilidade que, frequentando inúmeros ambientes como o deste triste cenário, vemos as irregularidades e não as denunciamos ou não nos recusamos a frequentá-los. Peca-se por ação. Peca-se por omissão.
Minha alma está uma bagunça. Choro a dor da humanidade perdida. Choro minha dignidade ferida pela ausência da reflexão, pela ausência da prevenção. Conheci um pouco mais de mim mesmo. Lição pedagógica que dói a alma. Preferia a palmatória. Choro como Antígona diante do irmão morto sem o direito de dar-lhe descanso a alma por causa da lei do Rei. Choro porque no Estado Democrático o povo é autor e destinatário das leis, portanto por elas responsável e diante de cada tragédia que se repete, comprovamos nossa incapacidade de governar. Que essa purificação dos sentimentos seja arrefecida por dias mais claros. Que o grito silencioso dos mortos pelas ruas da cidade que me acolhe jamais silencie minha voz diante da injustiça eminente. A tragédia é uma lição pesada demais para se repetir no próximo ano.

Sidinei Cruz Sobrinho.
In memoriam às mais de 230 vítimas de Santa Maria.
Janeiro triste de 2013.

2.1.13

Colibri


Tens o brilho de luar intenso,
Jeito de carinho imenso
Que não caberia no universo.
És tão linda que beleza igual
Poeta algum diria em prosa e verso

Noite fria sem estrelas.
Eu perdido em pensamentos,
Por segundos, horas e a todos os momentos,
Pensando naquela de sorriso brando e quente,
Parece distante e ao mesmo tempo tão presente,
Que seria capaz de ficar doente
Para em seu lugar sofrer

Bela que aos deuses encanta,
Sorri porque é pura como a flor branca,
Sorri, porque minha tristeza espanta
Traz de volta minha alma de poeta esquecido,
Me deixa aqui perdido em tua lembrança.

Sorri porque tem olhar do mar aberto,
Porque tem todos os anjos por perto
E faz os cabelos balançar ao vento,
Sorri porque é, desde que a conheci,
o sorriso mais certo, meu colibri, meu pensamento.

27.12.12

Devaneio na solidão


Cansado ou não.
Às vezes frustrado outras vezes entusiasmado.
A Eudaimonia se revela de forma estranha.
Ao invés de explodir no ápice ou includir no declínio, a verdade humana se revela e revela os homens na sua própria humanidade.
Assim, não importa como a felicidade contagia os outros ou não.
Importa, sim, uma garrafa de vinho ou um bom espumante,
um tabaco escocês manhosamente ajeitado no fornilho do cachimbo,
um livro da mais fina literatura sobre o colo,
Toquinho e Vinícius "choramingando" uma Bossa Nova, bem baixinho e
toda essa infinita e pesada leveza da alma que transborda a existência poética....

24.12.12

De volta à infância

Gosto desses dias nos quais a alma fica inquieta e a nostalgia faz rebuliço no coração. Gosto da saudade da infância e do cheiro de bergamotas amarelas que enfeitam a frieza dos trilhos do trem.
Gosto de ver o rio abraçando os morros.
Gosto dos pareirais cubrindo os montes num tapete verdejante.
Gosto de ver a nona mexendo a polenta na grande panela sobre o fogão à lenha e o nono bebericando mais um copo de vinho.
Gosto de me sentir de volta, no ninho onde nasci revivendo coisas que só uma vez vivi. Gosto de gostar de tudo isso e de me estranhar no reencontro comigo mesmo....

11.12.12

querer...

eu queria querer você todo o dia.
que queria te enfeitar de alegria.
eu queria ser as estrelas do céu
e iluminar teus caminhos, teu vestido e teu véu.
queria querer você sem medo algum.
queria ser vento, tempestade e paixão...
queria ser teu homem, teu nobre, teu escravo teu sim e teu não.
eu queria roubar flores no jardim
pra enfeitar teus cabelos, teus seios e teu chapéu.
queria ser teu soldado e teu general
para te proteger de todo mal.
queria ser teu bem teu além e teu ser.
queria ser o teu desejo, teu beijo e teu encanto.
queria ser muito mais que um poeta e um canto.
eu queria querer você todo dia,
queria ser tua música tua melodia
cantando em tuas noites as notas do infinito.
queria você aqui perto de mim.
queria ser o futuro e não o passado,
ser teu presente e teu eterno namorado.
eu queria querer e poder tudo o que quero.
enquanto não posso ainda te espero...

6.12.12

DESENCONTROS


Quando os dias se encontram provocando o desencontro com o dia anterior, a alma chora. Luto silencioso...

- Cabe a quem julgar o descabido?

- De onde venho e para onde tenho ido?

A memória se perde na criação. O dia encontra, na mesma noite, o início e o fim da despedida. Morte que chora reencontrando a vida.

Às vezes, mas somente às vezes, me dou esse direito prazeroso mesmo com o risco do efeito delituoso.

Entre o devaneio que aquieta a mente e a demência, um lapso de sentido.

- Perdido?

- Talvez.

- Mas quem se encontra em meio a tantos desencontros esquecidos?

2.12.12

Culpa dos teus olhos...

Ouço ao longe tua voz que me fala de coisas cotidianas, coisas humanas e coisas irreais, coisas que eu não posso ouvir, estou embriagado pela luz do teu olhar. Fico assim, mergulhado nesta imensidão desconhecida, instigante, sedutora.

Dispo minha alma sem pudor, ficando livre para teus olhos penetrarem no meu ser, agora não ouço mais nada que venha da tua voz, permaneço assim, perdido no desejo de encontrar-te e na necessidade de te querer.

Meus lábios buscam inconscientes pelos teus lábios que se movem numa dança sedutora deixando fluir as palavras que tanto queres que eu ouça, meus olhos estão imersos na impetuosidade do teu olhar.

Num pequeno instante de lucidez envergonho-me da cobiça e fujo dos teus olhos, fixando meu pensar nas palavras que agora gritam nos meus ouvidos, e tento associá-las a qualquer coisa que me seja útil para desviar-me de você.

Não obtenho êxito algum em tentar me manter indiferente diante de você, é insano te querer, mas agora já não adianta mais pensar assim, percebo-me novamente embriagado pelo teu olhar, que me seduz diabolicamente.

Desisto da luta que se travou entre meus anseios e aquilo que trago na bagagem moralista que me foi designada, já não me importo com nada, apenas com tua voz suave e teus braços angelicais que me enlaçam num abraço derradeiro.

26.10.12

MEDO CEGO


Ao findar a sexta-feira, os dias “úteis” foram encestados numa cesta feia aguardando serem lembrados talvez no final da tarde de domingo. Uma dose de uísque caia e sai do copo após outra. O conforto do lar guardava aquela solidão gostosa que só a coragem de saber estar só sem ser sozinho possibilita aos mortais. A poesia foi inevitável e a vida comum e normal dos felizes normais trafegava lá fora. O homem sozinho pensava, perdido em seus devaneios, em que pensavam os que passavam e se sabiam para onde corriam.
Num impulso de inteligência, paixão ou loucura, ele foi até a rua e interrogou, de súbito uma linda mulher:
- “Por que seu medo de viver agora mesmo aquilo que mais deseja?”
- “Para não correr o risco de perder.” Respondeu ela após se recuperar do espanto.
O homem fitou o olhar naquela linda jovem. Voltou para a solidão da sua própria companhia. Admirou a cesta feia, fechada com sexta-feira. Serviu outra dose e conclui que aquela mulher, porque vivia sempre com medo de "perder o chão", aprenderia, no final, que jamais tocou chão algum.



12.10.12

Canção do Amor

Vou cantar uma nova canção,
Descobertas de um novo amor,
E resgatar a velha emoção,
Desabrochada na velha e sábia flor.

Nos versos que cantam o amanhecer,
Na relva, na noite ou na fé...
Perceber a beleza do pulcro saber,
E deixar o coração ser o que é.

Vou sonhar um novo sonho,
Foragido em cada adormecer.
E chorar escaldantes lágrimas,
Lágrimas de meu sofrer.

Mas sei que hei de encontrar
No céu, sonho e canção salutar,
A fulgurante vida que busco,
Para toda a vida te amar

Pensamentos de uma noite sem você.


Vou deitar-me...
E se o sopro da vida faltar-me,
Quero meu corpo envolto em chamas,
Para que no pó do qual vim
Possa deitar-me novamente.
Minh’alma então, nas asas do vento,
Irá ferir os céus e o tempo.
Por fim hei de adormecer, da deusa que amo
Eterno ser os seus pensamentos.
Minha lembrança não tardará a esgotar-se
E homens virão que a poesia irá louvar.
Mas o amor, digno único de adoração,
Aos braços da virgem amada está a me levar.
Passarão os dias e as noites,
E um pobre a outro ainda cantará,
Ébrio em sua solidão,
As mesmas tristezas do meu cantar.
Virgem que o amor me ensinou,
Vênus que a aurora me trouxe,
Só vós lembrareis do amor,
Que em versos meu amor tornou-se.

Livre amor

Os conselheiros do amor
Não devem ser ouvidos.
Códigos e posições do prazer,
Deverão ser banidos.
Não há regra.
Não há método
A ser seguido.
Apenas amamos
E ao amor nos entregamos.
Se desejarmos na vida,
Algum livre amor ter vivido

Amiga Rosa.



Olá querida rosa!
Como hoje estás?
Tive um sonho,
Triste sonho,
Sonhei não vê-la mais.

Acredito cara amiga,
Que de abandonar-me,
Coragem não terias.
Mas lhe proponho um acordo,
Para unir nossas vidas:

Se nos dias que passam,
Um malvado dia passar,
E num covarde abraço,
Quiser nos separar;

marcaremos no céu uma estrela,
a que mais crepitante brilhar.
E no fim desta derradeira vida,
Iremos lá nos encontrar.

Não percas portanto,
A beleza que conténs.
Não tema-lhe o pranto
Que nos unirá no além.

Pois ao chegar o momento,
Da nossa eterna união.
No céu brilharemos,
Quais estrelas na escuridão

Num Jardim De Silêncio.



Hoje preferi apenas calar.
Num primeiro momento,
Não vi nada de diferente,
Tudo seguia seu ritmo,
Como se eu nem tivesse parado para ouvir,
Como se eu não estivesse ali.
Mas pouco há pouco pude ir mais longe,
E meus olhos desabrocharam a uma nova realidade,
Como um lírio que desabrocha saudoso
Em meio ao vasto campo.
Assim também abriram meus lábios
E neles, um sorriso brando.
Um pássaro cantava em uma harmonia transfigurante,
Nas flores que se confundiam com os raios do sol,
Nas verdes ramagens sobre o chão,
Em todo e qualquer lugar,
Descobri o amor que eu jamais encontrara.
Pela primeira vez, senti algo que não era dor,
Nem simples paixão.
Penso que seja amor,
Pois me fez chorar.
De modo algum eu podia acreditar
Que por tão longo tempo eu...
Eu simplesmente deixei a vida passar.
Então perguntei-me:
Como pode ó Deus!?
Toda esta gente que vai e que vem,
Não ter ainda percebido a realidade,
De um cálido amor que as tem?
Minha voz parecia ter se perdido
No longínquo céu azul.
E novamente as lágrimas banharam minha face.
É difícil dizer à alguém
o universo que ela possui.
Mais difícil, porém, é perceber nossa pequenez
Frente a tão imenso e misterioso mundo.
A maior covardia de um homem,
É dizer que nunca chorou,
A maior desgraça de uma vida, é morrer
e não saber se realmente amou.
Sinceramente, é difícil crer.
Que no mais secreto esconderijo do nosso coração,
Possa haver este florido jardim.
É impossível dizer
A inefável beleza que há em ti,
Esta beleza sem fim.

Flores .


Eu não sabia das flores,
Lindas flores que alegram
As flores já tristes.
Devagar, descobri, senti e chorei;
Ao saber que tão belas flores,
Foram flores que semeei.
Mas já havia pensado nas flores,
Como as rosas, gerânios e jasmins,
A violeta e a tulipa, as camélias....
Meu Deus!
São as flores que deixam a vida assim...
Tão belas misteriosas...
Passo a passo...
Primeiro botão, depois rosas.
E a rosa que morre por outras rosas,
E as flores que choram por flores novas,
E talvez lá no céu...
Não. No céu não há mais flores.
Nem amores,
Nem cores e jardins.
No céu só restam alguns anjos,
Estão chorando e olhando pra mim.
Porque do céu as flores estão sumindo
Para pouco a pouco florir teu coração.
Voltemos a florir o céu,
Para que o céu seja assim:
Serei para ti uma flor,
E serás uma flor para mim.
Semearemos então mil amores,
Entre anjos e querubins,
E no céu seremos flores,
Duas flores,
No mesmo jardim.

A Angústia De Amar.


Pobres homens poetas,
Que pensam a felicidade encontrar.
Perdem-se com frequências certas,
Na ansiedade de amar.

Hoje feliz. Amanhã...
Amanhã choras porém.
Onde estás Deus, Satã,
Ou a vida que tens?

Cansado de lutar
Entrega-se ao destino louco.
Humilhado por amar,
Alma viva, corpo morto.

Por pensar muito na vida,
Esqueceram de viver.
Por Ter a alma ferida,
Esqueceram de morrer.

Mas neste mundo que vivem,
Distante apaixonados;
Contemplam sozinho em seus leitos
O amor que há muito tem sonhado.

Noite.


Vejo a noite lá fora,
Que calma embala os sonhos meus.
Ouço o ruir das estrelas,
Brilhantes quais olhos teus.
Não compreendi...
Porque vi, porque ouvi,
O silêncio da relva
Espreitando o amanhecer.
Talvez haja um Deus distante,
Que à noite canta, sereno aos anjos seus.
Queiram, ó anjos fulgurantes,
Embalar os sonhos de minha deusa,
Deusa dos sonhos meus.
Meus olhos já pendem ao sono,
E vejo ainda a noite lá fora,
Distanciam-se de mim as estrelas,
Adormeço em meu sonhar.
Perde-se então minh’alma na noite,
Na noite em que parei para amar

A árvore Dos Sentimentos



O amor é a árvore dos sentimentos,
Cujos ramos são distintos e confusos,
Nascem juntos, mas separam-se,
Entre os frutos da alegria
e a flor das paixões.
Poderá estar na folha tristeza,
Se já não secou
Na colheita de um novo sentimento.
Este não pode ser o orgulho,
Nem mesmo a inveja.
Mas haverá sempre uma saudade
E uma solidão a brotar amargamente.
O melhor cultivo para sua árvore,
É a seiva do sincero amor,
Que encontra em você mesmo,
No mais íntimo,
Recompensa por superar a dor.

Hoje é sábado


Hoje é sábado. Sábado à noite. É dia de vários rituais. Qualquer reles mortal sabe o que acontece nos sábados. Nada de extraordinário, pois acontece todos os sábados. Mesmo assim é sábado e tem mania de se fazer diferente. É dia de mercado. Dia de feira, pra quem acorda cedinho e não pode ir na quarta-feira. Dia de família, pra quem tem família ou vontade de ter família pra quem nunca teve uma ou ainda não aprendeu a ter. Dia de passeio, de fazer compras pra quem tem dinheiro a gastar ou só olhar e sentir vontade, quem não tem dinheiro algum.
Mas agora é sábado à noite e tudo o que já foi durante o dia nem importa, já virou sábado passado. Sábado a noite é dia pizza. Dia de missa pra quem tem medo do inferno. É verão, mas parece inverno. Não importa, é sábado e ele pode ser como quiser. É noite de balada, festa agitada pra “caçar” mulher. Ou ficar em casa, sozinho como estou se mais nada disso se quer.
“Porque hoje é sábado”, já cantou Vinicius de Moraes. Há se todo mundo fosse assim como você, poetinha vagabundo que dá gosto de se ver. Hoje é sábado e tudo o que é possível, é possível ser. Hoje é sábado. Estou só. Mas não sei se isso é alegre ou triste. Sei que a tristeza existe principalmente porque hoje é sábado e não sei o que quero ser.
Esse é meu ritual, porque hoje é sábado e me permito sonhar. Hoje é sábado e não posso amar, porque meu amor está distante. E se hoje é sábado amanha talvez seja outro domingo qualquer. Domingo não tem graça. Tem só acordar tarde e chimarrão na praça. Domingo tem preocupação de segunda-feira, já virou dia normal, sem ritual.
Antes que me esqueça, ainda é sábado. Talvez eu não perceba, mas não importa o que eu beba, hoje é sábado. Sábado à noite e já vou dormir. Deixarei o mundo com o seu dia preferido. Qual o sentido? Hoje é sábado e não faz sentido algum. Só mais um dia comum. Dá pra se perceber. Vou tomar outra dose de uísque, fumar mais um cigarro até a fumaça me consumir.
Hoje é sábado. Sábado à noite. Como açoite, a solidão está a me ferir. Hoje é sábado, estou depressivo, solitário, moribundo. Porque hoje é sábado vou me esquecer do resto do mundo e vou cair. Talvez esta seja minha sorte e porque hoje é sábado nem sequer mereço a morte, então vou apenas deitar e dormir. Por que hoje é sábado. Sábado à noite. É dia de vários rituais. Qualquer pobre mortal sabe que estou bem longe de me juntar aos demais. E tudo isso, sem compromisso, apenas porque hoje é sábado e no sábado há muito reboliço.

ESPELHO


A realidade me comove mais que julgas e me preocupo com o ser humano de tal forma que sofro há anos com isso. Não sou e nunca tive a intenção de ser perfeito. Apenas busquei a felicidade. Considero que viver poderia ser bem mais fácil do que a maioria das pessoas pensa ser. Sei perfeitamente que há situações que nem uma teoria ou minha pobre filosofia são capazes de explicar e que nos resta apenas vivê-las, seja uma grande dor ou um amor intenso.
Li inúmeros livros na minha curta vida. Mas isso não me fez mais inteligente ou me possibilitou, necessariamente, ter a razão sobre minhas compreensões. Comecei a ler como fuga da minha solidão. Por anos um livro tem sido sempre meu melhor amigo e o único que houve o grito confuso da minha alma. A conclusão que tirei deles é que não se julga a inteligência de um homem pela quantidade de livros que lê, mas pela sua capacidade de ler o mundo. Muito embora seja necessário ler muitos e bons livros antes de se ariscar ler a realidade. Do contrário se cai na trágica fantasia e nas repetidas medíocres opiniões.
Quando era ainda criança, nove anos de idade, e trabalhava de "bóia-fria" nas lavouras e meus pais me "educavam" severamente, sempre me sentia um inútil. Aos poucos comecei a ganhar coragem para compreender algumas coisas no mundo. Depois, mesmo temendo os resultados comecei a formular algumas opiniões pessoais sobre o Mundo, o Homem, e Deus. A partir de então não mais sofri a solidão e a exclusão humana que me tornava invisível entre milhares de espectros humanos que mal sobrevivem. Mas, por outro lado, comecei a ganhar visibilidade e com isso inimigos e tenazes críticos ao meu modo de ser.
Começou a me incomodar a capacidade que algumas pessoas têm de julgar e não tolerar as diferenças. Lembro John Lennon que dizia: "As pessoas precisam se trancar entre quatro paredes para fazer amor enquanto muitos se matam a céu aberto". Como podemos ficar julgando os pequenos prazeres individuais se esquecemos o vício da humanidade em excluir e desconsiderar as pessoas em sua dignidade? Talvez porque, no primeiro caso, julgamos os outros e se consideramos o segundo caso, a universalidade da ideia de dignidade humana, os juízos recaiam sobre nós mesmos, sem distinção.
Senti grande alegria quando, depois de muito esforço e estudo consegui um espaço na academia científica. Sou apaixonado pelo mundo do conhecimento e talvez nisso consista o meu maior erro e seja a causa dos meus maiores infortúnios.
Sempre considerei a faculdade como o espaço por excelência do diá-logo (como confronto de razões). Nesse lugar poderíamos questionar e (re)significar muitas coisas, não todas, mas coisas significativas para o bem da humanidade. Imaginei, na minha idiota filosofia, que poderia conversar com meus alunos e colegas sobre temas importantes, discutir ideias, rever meus próprios conceitos quando identificadas falhas através das sábias ponderações dos meus interlocutores. Quando entro em uma sala de aula imagino estar em um laboratório, onde as cobaias, sãos as ideias e os pesquisadores, cada um de nós alunos e professores, com experiências e pré-compreensões que, na roda do discurso, poderiam gerar conhecimento.
Um dia li em algum lugar uma frase de Einstein que dizia "não podemos nos desesperar dos homens porque nós mesmos somos homens". Essa frase me ajudou muito pois estava completamente angustiado com a existência (coisa comum na minha vida). Resgatei alguma esperança, maldita esperança da qual não podemos nos livrar, e voltei a repensar e questionar o mundo e suas circunstâncias, não em busca de uma resposta definitiva, mas de uma compreensão da definitiva busca por questões que realmente importem.
Percebi que algumas pessoas levaram a sério isso tanto colegas professores como alunos. E ficava feliz quando, mesmo não convencendo ninguém de que meu modo de ver as coisas são os melhores, ao menos isso servia de alavanca para o pensar reflexivo e crítico destas pessoas. Ou seja, não estou interessado que os outros ajam conforme minhas ações, mas que os outros saibam por que escolhem agir como agem. Defendo a autonomia e a liberdade.
Ultimamente alguns acontecimentos me fazem começar a confirmar o que já desconfiava há algum tempo. Ser autônomo e livre tem um preço muito alto, o preço da tolerância, o preço da alteridade. Significa ter a capacidade de compreender o outro e de pensar apenas o que interessa a todos e não apenas a um indivíduo ou a uma pequena e conservadora cultura. O preço maior disso tudo pode ser a execração da sociedade por se ter uma compreensão diferenciada do que é bom, belo e justo conforme a época atual. Talvez isso explique o que aconteceu com Nietzsche, Sartre, Luter King, Gandhi, Jesus Cristo, Sócrates, Darcy Ribeiro, os intelectuais da época da ditadura (e por falar nisso, ela acabou mesmo?).
Minhas últimas conclusões se direcionam para o fato de não se poder pensar a vida e suas surpresas com todos e em todos os espaços da academia. Nem todas as pessoas servem para isso. O que não quer dizer que não sejam completamente úteis para outras coisas. Como poderia eu estar aqui escrevendo se um operário do campo não suasse forçado para ceifar a terra e possibilitar meu alimento? O que quero dizer é que algumas pessoas estão fora de foco, fora do espaço para o qual realmente tem competências e habilidades para agir com utilidade ao mundo. Sendo assim, em muitos casos devo apreender a calar e a dissimular, caso eu ainda veja algum sentido em me manter no rol dos homens de ciência acadêmica atual. Do contrário, a não ser que realize uma revolução de impacto, voltarei à invisibilidade. Esta última opção certamente me trará maior tranquilidade ao corpo e me esquivarei dos dissabores dos medíocres, mas não mais me trará a paz na mente como tem aquele que sempre esteve na ignorância.
Esse é um dos grandes problemas disso tudo, uma vez que se reflete sobre certas coisas, não há mais como se livrar desse fantasma. Pensar é algo difícil de conseguir e impossível de deixar.
Outra coisa que me espanta é que um grande número de pessoas é desprovido de qualquer reflexão. Forma-se o chamado inconsciente coletivo que muda de um paradigma falacioso ao outro como rebanho levado pelo instinto. Pior que isso, é o fato de serem aqueles indivíduos que menos pensam a vida, que mais são individualistas e egocêntricos, os que estabelecem juízos de valor sobre questões mínimas ou ainda divergem completamente sua leitura do fato, pautados em moralismos vazios. Sinceramente, não consigo compreender como que, frente à tragédia do aquecimento global, a violência civil quase que institucionalizada, a miséria humana que pede pão ou coleta papel na lixeira da nossa casa, diante de tudo isso, alguns pessoas ainda considerem significante passar horas julgando a filha da vizinha que mudou três vezes de namorado em um mês. Onde está a racionalidade? É caos que se mostra? É Kronos, o tempo, devorando seus filhos? Ou é a imbecilidade e a mediocridade humana que se revela?
Não quero que a beata deixe de ir à igreja todos os dias porque eu não vejo sentido nisso, nem que a ninfeta depravada deixe de passar noites de volúpia porque julgo que isso seja pecado e tenho medo da condenação divina. Gostaria apenas de um espaço para a tolerância. Que ocupássemos nossos tempos findos em agradáveis rodas de amigos ou em assíduas discussões sobre a vida em si. Quero a tolerância com os tolerantes e a justa pena aos intolerantes. Mas afinal. Até que ponto se deve tolerar os intolerantes?
Saberei que estamos realmente pensando a vida, não mais vendo grupos se unindo em defesa dos seus direitos, mas quando vir o diferente defendendo a diferença. Quando um negro defender as causas de um indígena, quando um tradicionalista "machista" defender o direito dos homossexuais, quando um homem fizer defesa ao espaço da mulher como igual, quando o jovem gritar em praça pública o direito dos idosos e quando aprendermos a ouvir antes de julgar.
O mistério humano me causa amor e pânico. Vivo em muitas situações o paradoxo do presente frente a inevitável vinda do futuro, que, por si mesmo, já refutou inúmeras teses morais. O que significava o divórcio há 20 anos atrás e hoje? Julgamos os homossexuais, mas nossas matrizes africanas e indígenas viviam a liberdade sexual como algo bom e espiritual. Há anos, como lembra Darcy Ribeiro em O povo brasileiro, os jesuítas condenaram a antropofagia, mas ofereciam o corpo e o sangue de cristo na santa missa. Um pouco de visão ampla para além das barreiras de nossa cultura, nos mostra que há um multiculturalismo estranho e que questiona nossas verdades. Podemos até não concordar a agir como eles, mas precisamos tolerar, precisamos respeitar a Alteridade, o encontro com o "Outro".
Isso tudo me coloca na quase que inevitável tarefa de refrear parte do meu pensar e aceitar ao menos um pouco a submissão às regras do sistema atual. Continuar desenvolvendo minha filosofia me causará sérios problemas com a censura externa. O preço, como já falei, será auto. Por muitas vezes sinto disposição para pagá-lo. Mas, por outro lado há algo hoje que me impede disso: o meu filho que irá nascer e com a vinda dele essa minha inseparável mania de acreditar, como Rousseau, de que ainda podemos resgatar os resquícios de bondade da natureza humana.
Compreendi o sentido da filosofia com Hegel, quando esse afirmava: "Pensar a vida: eis a tarefa". Mas devo admitir que às vezes a tarefa é demasiado árdua. Se o velho Aristóteles tinha razão de que uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida, então não há como ser útil sem o espaço da razão que dialoga com a emoção e a condição humana. Desta forma, se não se pode pensar a vida, seja por incompetência pessoal ou por limites externos talvez seja melhor não mais fazer parte dela. Ou então persistir e pagar o preço a custa do sofrimento próprio e dos seus próximos.
Há pessoas com as quais esse diálogo ainda seja possível e sei que elas aceitarão ouvir e discutir a vida. Sou jovem, mas sinto nas costas um peso árduo do pensar filosófico. Não sei se consigo não pensar e considerar tudo simples ou indiferente. Os mais experientes na vida e nas surpresas humanas talvez possam me ajudar. Tenho medo. E o meu maior medo hoje, é o de não sentir medo.

Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo, inverno de 2007.

Eu quero a razão

As lágrimas são a maior
estupidez humana.
o retrato da fraqueza
de quem não deve ser fraco.
A dor ou a alegria,
Ódio ou paixão,
Tudo revela este orvalho
Na face aberta,
Vinda da face oculta do escuro coração.
Não quero mais lágrimas
Nem risos nem seriedade.
Quero a verdade com o rosto que tiver.
Seja ela como for.
Quero a razão.
Para não perder o amor.

Você e Eu


Talvez algumas dúvidas,
Em teu coração eu deva por,
Teus pensamentos
Ao mistério expor...

Nada entenderá,
Do que eu disser,
Pois nada se ensina,
Sobre o amar uma mulher...

Basta olhar nas flores,
Tudo entenderá,
Não necessita de mil amores,
Para saber o que é amar.



Basta viver a vida,
E ordenar teus pensamentos,
para que na alma sintas,
a grandeza dos sentimentos

A essência da vida

A essência da vida
É preciso buscar,
Numa lágrima sentida,
O sentido de amar.
Em cada passo que damos,
Entre flores e espinhos,
Com firmeza possamos,
Mil caminhos seguir.
Sendo o céu o inferno,
Um único destino.
Não temas, ó menino,
De a vida viver.
Não necessitas de bonança,
Para aprender a amar.
Nas estrelas e na lua,
Não deixes de sonhar.
Podendo viver,
Ame como te amo,
E tudo pode mudar.
Coloca, pois,
na essência da tua vida,
o sentido de amar.

Quantas vezes

Quantas vezes estive ao teu lado...
E não me percebeu.
Quantas vezes pediu minha ajuda e ajudei...
Mas não parou para me agradecer.
Quantas vezes ofertei a minha vida...
E você a recebeu como algo qualquer.
Quantas vezes enxuguei teu pranto...
E você nunca sorriu pra mim...
Quantas vezes fui a causa de sua lágrima...
E não a compartilhou comigo.
Quantas vezes ofertei rosas...
Enquanto me feria com espinhos.
Quantas vezes exaltei seu clamor...
E nunca parou para me ouvir.
Quantas vezes me abandonou...
E eu permaneci ao teu lado.
Quantas vezes estava só...
E fui tua companhia.
Quantas vezes precisava de um amigo...
E eu fui sempre o primeiro a chegar.
Muitas foram as vezes que precisou de mim...
E eu jamais tive a coragem de te abandonar.
Muitas serão as vezes que irá precisar de mim...
E eu estarei lá;
Porque tenho a certeza que verá,
Que fui eu o teu mais fiel amigo...
E muitas serão as vezes,
Que irá me agradecer e me amar...

Um homem que chora

Os dias passaram depressa
E nada vi mudar,
Chegam os dias de festa
E continuo a chorar.

Choro por não ser amado,
Ou por não saber amar.
Sou apenas um despojado
Não mais sei o que é sonhar.

Correm lágrimas à noite,
E também ao amanhecer.
Sofro a dor do açoite,
Nada representa viver.

Sou ferido pelo pecado,
Que destrói e faz chorar,
Fui abandonado distante,
Por não saber o instante,
A hora de amar...

Desejo de um poeta


Quero viver e amar,
em teus olhos brilhar
qual chama fulgurante.
Neste amor alucinante
De alegrias sem fim.
Seja qual for a razão,
até mesmo se razão não existir,
quero viver esta paixão,
nesta paixão me consumir.
Como coroa de jasmins
Embelezar-te-ei em favos de mel,
Mesmo que a morte me leve,
A ti sempre amarei.
Não quero ser soberano,
Nem príncipe ou rei,
Somente viver e amar,
nesta luz de saber.
Mergulhar em seu corpo,
Qual orvalho no amanhecer,
Pois tudo o que mais quero
É amar e viver.

Morena

Eis a bela morena,
Que suave perfume exala,
Em sua pele serena,
Em seus braços me embala.

Tu me encantas e me fascina,
Teus olhos morena,
Minh’alma domina.

Nesta noite escura,
Vago a te procurar,
Nas flores, na lua,
Busco sempre teu olhar

Menina bela como flor,
Teus lábios são de mel,
Verdadeiro é teu amor.

Seus cabelos são leves,
Lisos quais pétalas de rosas,
Branca como dias de neve
É tua alma amorosa.

Com ramos de flores,
quero eu te ornar,
Dentre vários amores,
Só você quero amar.

Nos seu lábios este poema,
Sempre quero reler,
E em seus braços morena,
Amante, fiel morrer.

Decisões.

Tristes tormentos nesta vida
Que regem o corpo e a alma.
Em tua face dolorida,
Vejo lamentos e lágrima.

Era bela, tão bela quanto a flor,
Porém murchara ao raiar do sol
Não desfrutando do jovem moço o amor,
Embranqueceram-te os cabelos no arrebol.

Oh ingrata por que chora,
Se meu amor não pode agora gozar?
Já escolhi meu caminho de agora,
Pretendia, mas decidi não te amar.

Pelo inferno, da dor ao céu,
Também fui ingrato e pequei.
De teu júri me fez réu,
Somente em sonhos te amei.

Está já velha e lamenta,
Por querer quem não a quis.
É tarde e me fundamenta
Jovem moço vivo feliz

O BEIJO


Que textura agradável
É a seda deste ato
Que une o inefável do desejo
Ao fato.
É no beijo ardente
Que se percebe, da paixão as qualidades.
E no beijo suave,
O amor do coração.
A saudade...
No beijo que demora.
A alegria...

Em mil beijos seguidos.
É no beijo que o desejo se expressa.
E no beijo...
O fogo começa.
Respeito...
É beijinho na testa.
No rosto ...
É carinho.
Para ascender a paixão...
Beijos de mansinho.
Não quer se entregar
Quem do beijo rápido foge.
Ás vezes risco corre,
De beijar sozinho,
Quem ao beijo se encolhe.
Mas se o beijo permitido for,
Nasce o amor
E o poeta morre.

Andrógino

O beijo é o amor.
O beijo é o desejo
O beijo é a chave,
O retorno ao
Andrógino.

AMANTE

A saudade de ti
Inspira-me à poesia
O brilho do teu olhar
Lembra-me, nesta nostalgia,
O encontro do sol com o mar,
No horizonte dos meus sonhos.
Todas as faces são tuas
E qualquer movimento de meus músculos
Ou impulsos de minha natureza,
A ti se destinam.
O crepúsculo e o amanhecer,
Todas as flores...
E delas toda a beleza,
Curvam-se, frente a alteza do teu ser.
És negra como a noite,
Linda cor do pecado...
Passar dias de ti distante
É o pior dos açoites sobre este teu amado.
Destina as estrelas por vigias,
E te contarão, a cada passo,
como que num abraço,
o quanto te quer este teu amante

Id.

Que morram os poetas
Que morram os poemas
Que morram as flores,
Os amores e os dilemas.
De hora em diante
Serei apenas Potro
a sustentar meu falo viril.
“traçarei” todas as “potrancas”
insensíveis ao amor.
Que morram então os sonhos
E com eles a dor.
Liberte-se,
Entre gemidos,
Os prazeres reprimidos
De quem até agora
Somente amou.

Livre amor

Os conselheiros do amor
Não devem ser ouvidos.
Códigos e posições do prazer,
Deverão ser banidos.
Não há regra.
Não há método
A ser seguido.
Apenas amamos
E ao amor nos entregamos.
Se desejarmos na vida,
Algum livre amor ter vivido.

Sinfonia desconhecida.

De onde vem este som,
suave aos meus ouvidos?
Que faz silenciar os gemidos
da dor que hora sofro?
Quem será seu autor?
Será uma bela ou um belo?
Pois só pode ter beleza
Quem tão preciosa sinfonia compôs.
Vem de longe, de outro lugar,
Das cercanias da redondeza.
Ouça....
Parece traduzir a doce voz
De minha princesa!
Onde estará ela neste momento?
Quanta saudades sinto...
Bem. Sentarei.
Ó bela sinfonia!!!
Agradeço – e desconhecido maestro,
Acalmas meu tormento.