9.6.08

COMO ESCREVER UM POEMA





Você sabe quanto é doloroso compor um poema?
A alma precisa sangrar. O sangue precisa correr veloz até as mãos. Os olhos precisam ir além do infinito e encontrar as palavras certas, que moram muito além do próprio fim.
É preciso sentir dor, alegria, tristeza, estar embriagado, louco, depressivo e principalmente apaixonado, mesmo que odiando.
Todo o poema sob encomenda é ruim. Não se pode dizer o sentimento alheio.
Nunca pergunte ao poeta o significado do que escreveu. Se perguntar ele jamais dará a resposta.
Jamais leia os críticos. Eles têm inveja dos que sabem escrever.
Se você não consegue escrever um poema, continue tentando até ele nascer, e será sempre um parto normal.
Querer um poema antes do seu tempo é como rasgar a seda que envolve a lagarta para ver a borboleta antes de haver findada a metamorfose.
Se você ler um poema e não sentir nada, deixe-o de lado. Para você aquele poema é ruim.
Se ler e de alguma forma sentir a epiderme arrepiar ou uma leve angústia no peito, o poema é bom, mesmo que escrito pelo mais anônimo dos poetas.
Não leia em demasia, isso não te dará tempo para pensar. Também não leia muito pouco, isso te fará pensar sempre da mesma forma.
Em hipótese alguma leia um livro de poesias do início ao fim, é preciso pensar e remoer as palavras durante horas.
Se você ama, não copie versos para a pessoa amada, escreva-os. Ela não quer palavras bonitas, ela quer tua vida e só você saberá dize-la.
Não escreva sobre o que você sonha, escreva sobre o que você vive, mesmo que você viva como um utópico sonhador.
O importante é fazer com que as palavras escorram por tuas mãos e o papel grave em si todo seu DNA.
Evite procurar a inspiração ela é sempre mais inteligente que você e só se mostra no momento oportuno, seja por dias seguidos ou em intervalos de anos a fio.
Se você é uma pessoa série e cheia de compromissos, jamais irá compor.
Se for um bufão, também não escreverá nada.
Se for muito feliz, não precisas de poesia alguma e jamais a busque, porque descobrirá que a tristeza é possível.
Caso acredite em Deus ao menos se de a chance de pensar a impossibilidade dele não existir. Caso não acredite, nem pense, ele já te abandonou.
As regras da moral e dos bons costumes servem apenas para encher os vazios de espírito. Mas isso não significa que devas ser alguém sem bondade alguma.
Fume um cigarro, preferencialmente um cachimbo. Sim! Irá fazer mal à saúde, mas há tantas pessoas gozando de boa saúde e tão doentes de espírito.
Beba uma taça de vinho, duas, três, fique entorpecido e sinta dor de cabeça, assim quando escrever que está "embriagado de amor", saberá e entenderá para além das palavras.
Encontre um trabalho idiota qualquer para que possa sobreviver e o restante do tempo seja todo literatura.
Você sabe quanto é doloroso compor um poema? Se um dia souber perceberá que ali o poeta conseguiu fazer com que a paixão que o obceca se tornasse menos perigosa.

Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo, 8 de junho de 2008.

O dia em que tive pena de Deus.

Hoje eu pensei em "deus" e, sinceramente, me compadeci do pobre coitado. Estava a gozar os tímidos raios de sol que aqueciam minha tarde de inverno. Ouvi duas vizinhas, possivelmente dessas pessoas que tem alguma tara por desgraças, pois narravam uma para a outra os últimos boletins de ocorrências policiais. E a notícia, nada nova, era de que a casa de fulano havia sido invadida por ladrões na noite passada. Na verdade as palavras da vizinha foram: "Assaltaram a casa do fulano". Eu imaginei um homem com uma "meia preta" na cabeça, arma em punho, dizendo pra casa: "Mãos ao alto", e a casa levantando o telhado apavorada, como naqueles desenhos infantis. Decidi apagar o cachimbo que fumava, pois com tal imaginação eu poderia ter me enganado no tipo de erva, então o que descrevi foi o que eu entendi que ela quis dizer. Mas não vamos entrar em discussões chatas de semiótica e semântica agora, afinal é domingo. Voltemos então ao tal deus que mereceu minha compaixão.
O comentário da outra vizinha para a notícia foi: "eu sempre peço a Deus que se tiver que acontecer - Deus me livre! - que seja quando eu não estiver em casa". E a outra continuou: "Meu Deus do céu, hoje em dia a gente só vê desgraças." A conversa continua nesse tom por alguns minutos. Falavam tanto em deus nisso e deus naquilo que até ergui a cabeça em direção a elas para ver se o "Cara" não estava ali com elas. Já pensou? Eu iria correndo pedir um autógrafo. Nossa, devo mesmo ter enchido o fornilho do cachimbo com alguma coisa estranha.
Como não estava interessado em continuar ouvindo a conversa nada produtiva sobre a tragicidade do mundo moderno, voltei meu pensamento para "Deus". Calma, não vou fazer nenhuma pregação de experiência divina e purificação da minha alma agnóstica. Compadeci-me de deus porque fiquei a imaginar como ela faria para atender tantos chamados. Como já disse Nietzsche, "o homem criou deus a sua imagem e semelhança". Sendo assim imaginei deus sentado num escritório, com ar condicionado, várias secretárias, visão ampla e alguns quadros avaliados em milhares de dólares, afinal de contas ele é "o cara", merece um local de trabalho à altura, ou seria "nas alturas"? Tudo bem, esquece a precisão conceitual, é domingo. Aliás, até nisso ele se encontra: domingo vem do latim dominus, dia do Senhor. Puxa vida, o cara é bom mesmo.
Droga! Fugi do assunto novamente. Desculpem-me, vou jogar fora aquele cachimbo. Imaginei deus lá, no seu escritório. Mil anotações: deus me ajude aqui; deus me salve ali; graças a deus acolá, se deus me ajudar nisso, meu deus naquilo e assim por diante. Quanto trabalho! Pior, em pleno domingo. Senti pena do abençoado senhor com tantos afazeres. Acomodei-me novamente ao sol, pois essa história me tirou a paciência. Para não tirar a tua paciência lendo isso concluo: Resolvi meu incômodo existencial exclamando para o vazio: Meu deus do céu, quando é que vamos deixar o bom senhor descansar um pouco e começar a assumirmos a culpa pelas nossas próprias incompetências!

Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo, 8 de junho de 2008.

4.6.08

CIDADÃOS INCOMUNS


Cidadãos incomuns

Um amigo esteve em Amsterdã nas férias (quanta inveja!). Inveja mesmo depois de conversarmos através do MSN. Ele estava, na ocasião em um bar e me contou sobre o que acontecia: Viajantes de vários países realizavam um concurso para ver quem dizia mais "palavrões" no seu idioma pátrio. Isso deve ter produzido mais efeito nas suas almas que um ano de terapia. Melhor ainda, (por favor, crianças não leiam essa parte), fumava-se maconha no café da manhã e tinha chop à vontade. Se ele me contasse isso quando eu ainda era seminarista, iria correndo para a capela rezar pela alma desses pobres pecadores e voluptuosos boêmios. Mas agora eu me felicito com a alegria dos que, ao menos por alguns momentos na vida, podem ser inúteis, boêmios, vagabundos. O que me faz lembrar a canção de Miucha ao amigo Vinicius: "Meu poeta vagabundo, ah se todo mundo fosse assim como você!"
É bem verdade que todo mundo não pode ser vagabundo, alguém precisa ser útil, sério e "homem de bem". Como cantava Toquinho em Pequeno perfil de um cidadão comum: "Era um desses cidadãos comuns que se vê na rua, vivia o dia e não sol, a noite e não a lua (...) um homem de bons modos (...) feito aquela gente honesta, boa e comovida que caminha para a morte pensando em vencer na vida, que tem no fim da tarde a sensação da missão cumprida." Mas há muitos cidadãos comuns o que deixa margem à alguns serem incomuns. Ë bem verdade que estes precisam de coragem, audácia e, acima de tudo paciência para ouvir tantas críticas dos homens de bem. Estes são tão bons que além de serem úteis para o mundo ainda encontram tempo para formular regras moralistas e mesquinhas sobre como todos deveriam viver que, por óbvio, seria viver igual a eles.
Felizmente o meu amigo consegue ser um homem útil, com sua inefável crítica ao direito penal. Acredite, ele consegue ser advogado e ao mesmo tempo ler Sartre, Levinás, Habermas. Eu já disse que ele é como dizem os nossos alunos, "fora da casinha". Sinceramente espero que ele jamais volte pra "casinha". Afinal, além dos homens úteis que investem na bolsa de valores, constroem pontes e discutem as cansativas normas dos códigos sem antes ler a Constituição, precisamos também de provocadores que vão contra a ordem; que ainda sabem o que significa utopia e que, como o poeta, conseguem ter inspiração na construção discreta da vida.
Um dia desses ainda vou para Amsterdã. Mas até guardar dinheiro pra isso meu amigo e eu vamos sentar no bar da esquina, pedir um vinho e falar sobre coisas demasiado capciosas para os cidadãos comuns. Se quiser, aparece por lá, mas não leve moral alguma.

Sidinei Cruz Sobrinho

Passo Fundo 30 de maio de 2008