24.8.08

O PRÓXIMO PARTO!!




O próximo parto.

Há um turbilhão dentro de mim. Uma legião desses seres enigmáticos com os quais luto desde o início de minha consciência. Já haviam me alertado de que o processo de pensar é doloroso. Nietzsche me avisou, num dos nossos secretos encontros bibliográficos, de que é "necessário ter um caos dentro de si para dar à luz a uma estrela." Quão doloroso é o parto das idéias. Elas nascem compulsoriamente, tornando a dor uma constante inseparável. Algumas morrem logo que encontram o mundo perverso onde deveriam sobreviver. Outras são prematuras. Ainda existem aquelas que teimam em não nascer e se mantém no íntimo da alma numa gestação eterna. Pensar, penar e pesar são muito mais que palavras rimadas, são golpes da autoconsciência que açoitam os sentidos, os sonhos o real e o virtual. Pensar é penar além das coisas. Pensar é o pesar que apesar dos pesares se mantém.
Todos os dias quando o mundo salta aos meus olhos inúmeros arquitetos começam a fazer cálculos e a redimensionar minha mente. Ali, nos recônditos do ser, ergue-se uma casinha medíocre, para abrigar os operários. Esses mórbidos e incansáveis víveres que se abrigam a espera do resultado. Mais adiante, num palacete, as poucas idéias que se estabelecem como válidas, triunfam, mas sempre temendo as que virão. Nunca se sabe quando uma idéia pode morrer ou nascer. A imprevisibilidade dos dias e dos pensamentos é um pesado fardo a se carregar.
Às vezes eu decido não ter mais idéia alguma. Logo me encontro nessa contradição, pois deixar de pensar também é fruto de uma idéia. Estou preso. É um caminho sem volta. Bastou o primeiro pensamento e tudo se amontoa sobre esse punhado de massa encefálica. Os ignorantes são felizes porque jamais pensaram. No entanto uma vez apenas que se ouse pensar, jamais se retorna ao estado inicial. A partir de então a solidão e a angústia se fazem companheiras irresolutas. Vez ou outra o turbilhão parece se acalmar e todo o esforço, enfim, aparenta ter sido válido. Contudo, basta uma folha cair da árvore, um mendigo morrer na praça, uma conversa despreocupada que seja e eis que a procriação reinicia. É uma pesada metamorfose que leva meses para dar vida a algo que poderá voar apenas por alguns dias. Decido continuar e me envolvo novamente como a larva solitária.
Pensar é sempre um ato solitário com a remota possibilidade de tornar-se solidário. A solidariedade é a arrogância de se dividir o que se tem com aquele que não tem. O "Outro", objeto da minha solidariedade mesquinha e volátil, pode não ter o que tenho, mas pode sempre ter aquilo que não tenho, inclusive uma idéia contrária, antídoto fatal a minha pretensa sabedoria. O diálogo implica sempre em morte e renascimento. É a lei da natureza que se propaga no espaço do pensamento. Também no mundo das idéias prevalece Darwin e a seleção natural das idéias mais fortes.
Toda a fuga é vã. Esses diabinhos que se amontoam em palavras e que se concretizam nos lábios gerando uma ação são as idéias. Se minha ação é fruto das idéias de outrem, chamo a isso de subordinação e sou feliz, porque a responsabilidade é de quem as gerou. Se agir conforme minhas idéias, chamo a isso de liberdade e carrego com ela toda a responsabilidade do meu pensar e a inevitável dor do próximo parto.

Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo 24 de agosto de 2008.