11.4.08

A VIDA COMEÇAVA AOS QUARENTA.



Já acompanhei a morte de muitas pessoas. Vários livros tentaram me ensinar sobre os prazeres que se descobre na velhice. O dito popular resume tudo: "A vida começa aos quarenta". Tenho vinte e sete anos e inúmeras vezes desejei ter "começado a vida". O que me provoca, essencialmente, é a incontestável dúvida: "Por que só se aprende a viver depois de tão velho?" Talvez a questão seja outra: "Se tantos, do vulgo ao mais elevado intelectual como Sófocles no "Aprendendo a envelhecer", Bobbio em "Elogio da serenidade", Schopenhauer no ensaio "A morte" e "Sobre o sofrimento do mundo", se todos esses e mais uma centena de milhares concluíram o mesmo e nos disseram isso, por que então não aprender com isso e começar a vida agora mesmo?"
Sei qual é a resposta mais prática: "Tudo ao seu tempo". Não aceito essa explicação, é supérflua e serve apenas como escudo para quem não tem a coragem de ariscar. Por que esperar os netos para aprender a amar os filhos? Por que esperar a velhice, para compreender os pais? Por que somente após sentir inúmeras dores no corpo se aprender a fazer exercícios físicos e a cuidar da alimentação? Por que trabalhar treze horas por dia se posso viver com apenas quatro horas de trabalho? Por que comprar uma piscina se não posso nadar nela a qualquer hora do dia? Por que ter o melhor carro se um razoável me ajuda? Por que rezar se posso rir com os amigos? Por que? Por que? Por que? Por que tantos por quês? É porque nunca temos uma resposta e então sempre inventamos outra pergunta.
Minha opção agora é outra. A vida vai começar aos vinte e sete. Não comecei antes não porque eu não sabia disso, apenas porque me faltava coragem. Nesse exato momento, enquanto escrevo essas linhas ou você se dá o tempo para lê-las, alguém está a fazer algo bem mais útil para o mundo. Esse alguém está a construir prédios, a investir da bolsa de valores, fabricando carros ou enfurnado num grupo de pequena conspiração tentando salvar a humanidade. Como Raúl Seixas, também eu "não quero tirar onde de herói" e nem "entrar pra história". Como o "maluco beleza" estou fora da lei e prefiro continuar essa "metamorfose ambulante".
Tenho ao meu lado um bom livro, uma xícara de café quente e forte, um cachimbo, árvores e uma solidão inefável. Me tornei poeta vagabundo, pra lembrar Vinícius de Moraes. Vivo diferente pra não ser como meus pais. Eles foram moralistas demais. Eu me perverti. Perverti-me para não ser como os demais, eles são simplesmente "demais". Posso estar profundamente enganado, mas certamente o mundo não se tornará pior por minha causa. Por esse motivo conto como sou, mas sem a mínima pretensão de coletar discípulos. Seja o que você quiser ser. Apenas pergunto se você sabe o que é? Pergunto isso porque durante anos eu não sabia quem era. Depois, por mais alguns anos e descobri isso e elevei ainda outros carnavais para aceitar e ser aquilo que inevitavelmente nos tornamos e deixaremos de ser, se houver tempo pra isso. A diferença é que alguns percebem e aceitam enquanto outros preferem não falar no assunto.
Maquiavel diz no "Príncipe", que o bom governante deve aprender com os mais velhos, seja para evitar cometer os mesmos erros, seja para ter exemplos de como se vence. Sempre discuto esse trecho com meus alunos do curso de administração de empresas. Trata-se de estratégia. Outra estratégia é aprender aproveitar as oportunidades. Isso, meus caros, é Maquiavel, sem nenhum traço de maquiavélico. São alguns exemplos que me fizeram pensar que não preciso esperar os quarenta para aprender a viver. A vida, pra mim, começou aos vinte e sete. Me tornei um "bon vivan". Moro numa pequena casa a qual chamo de Tapera da Poesia. Ganho o suficiente para me dar alguns pequenos prazeres (vinho, tabaco, whisky, livros, cuidar do meu filho, poesia, filosofia...). Tenho um cão para me lembrar a condição humana. Ainda encontro pedras no caminho. O meu mundo se tornou mais vasto e nem precisei me chamar Raimundo.
Há muito mais que tudo isso. Há coisas só minhas. Ainda verei muitas pessoas morrerem. Os mais velhos continuarão a ensinar coisas e talvez um dia também eu ensine, nem que seja a como não se deve viver. De qualquer forma, vou seguir nesse rumo, se os ventos mudarem e a velas estiverem frágeis, talvez eu mude, mas me recuso a essa pré-ocupação. Aliás, não vou mais negar o ócio. Isso é de somenos importância, pois há milhões de homens de negócios por aí que, com certeza, não vão parar. Sendo assim, me perdoem os desprivilegiados miseráveis que não podem viver como eu. Desculpem-me os que poderiam, mas lhes falta coragem. Agradeço a compreensão dos que compreendem mesmo discordando. Sinto muito pelos que vão esperar os quarenta para viver. Felicito aos que descobrirem que podem viver antes mesmo dos vinte e sete.

1.4.08

A MEDIOCRIDADE DA VIDA NORMAL

A mediocridade da vida normal

A solidão alegrava sua alma de poeta. Essa idéia não soava bem aos ouvidos das pessoas comuns. Parecia estranho, e era. Mas tão estranho e tão simples que se tornou realidade e a incompreensão dos outros já estava prevista em seus planos. A necessidade da angústia revelava seu destemor à morte. O que havia nele de diferente era mais que a simples diferença, era o gosto de estar só, era a coragem de pensar a vida como é.
Os boatos correram velozes como o vento tempestuoso quando ele ousou ser o que planejava há anos. Mesmo sem saber ele já havia se transformado e todas as decisões já estavam tomadas. Bastava ele mesmo se perceber do que havia decidido ser. Todos encararam os fatos com surpresa. Uma surpresa falsa e disfarçada, certamente, pois ele tomou o cuidado de transmitir vários sinais preparando o dia decisivo. Como ninguém queria aceitar estes sinais agiram como se não fossem transmitidos e criaram em si mesmos o engano. Assim seria mais fácil culpar apenas um pela suposta repentina mudança. Mas a culpa também já estava prevista.
O dia fatídico demorou a chegar. Foram meses ou anos para se medir os pensamentos. Não sabia exatamente quanto tempo levou porque tinha certeza que vários momentos lhe fugiram da consciência. Isso também era esperado. Afinal não se pode evitar o inevitável e esse, não se pode conhecer. Se fosse possível calcular friamente todas as experiências que o formavam ele não seria o que é. Seria outro, mas esse fato, embora previsível é incompreensível. Na verdade ele mesmo tem dúvidas se é o que é ou se é o que poderia ter sido. Parece contraditório, mas no mundo das contingências tudo é possível, inclusive a necessidade. Esse era o ponto crucial que o diferenciava dos demais. Todos pensavam sob a égide do dever-ser. Ele pensava sobre o ser em si mesmo, e esse era seu escudo.
Houve quem o condenasse abertamente. Obviamente também surgiram os dissimulados assim como alguns que dissimulavam foram disseminados das suas relações. Ao cair da noite, quando a lua acompanhou seus sonhos, fez-se homem e escolheu a liberdade. As lágrimas foram inevitáveis. Vários choravam porque eram grilhões. Ele chorava porque sem grilhões perderia a segurança da normalidade. Esse era o preço líquido, a recompensa era incerta.
Tudo já estava bem ali, claro e preciso, guardados como tesouro nos apêndices da memória. Mas viver aquilo ainda lhe causava certo temor e o desejo de enfrentar o medo era o que movia sua transformação. O único medo que restava era o de não sentir medo algum. Isso, porém, jamais deveria ser quebrado, pois sabia que o excesso de ousadia prejudicaria sua prudência o tornaria um tolo ao invés de um herói.
Enfim juntou o que era necessário: livros, tabaco vinho e whisky. Este último para queimar a nostalgia e os outros para mantê-lo diferente. Sabia que poderia se arrepender, sofrer e ser difamado mas preferia isso a continuar vivendo naquela segura e feliz mediocridade a qual muitos chamavam de "vida normal".