15.2.09

IN MEMORIAN


In memorian
Minha querida mãe, no seu frio leito de morte, falou-me mais que o silêncio que guardara em seu coração durante a vida toda. Beijei as mãos geladas da mulher que me acalentou no seu ventre caloroso e nos braços meigos de mãe. Hoje contemplo lembranças de dias, dores e alegrias que jamais voltarão.
Penso que todos os homens guardam segredos e sonhos assim como eu. Aqueles segredos jamais revelados e os sonhos que, mesmo realizados, nunca serão compreendidos pelos demais, nem mesmo pelos mais íntimos. O que pensava ela num olhar sentido e distante¿ Alma de mulher, voltada para o mundo que sempre foi menor que o desejo guardado em seu coração.
Quando jovem, tinha cabelos negros e longos. Agora na lápide tênue que abriga seu corpo os cabelos renascem uma vez que foram destruídos pelos anos árduos. O câncer enfraqueceu os braços fortes que me faziam dormir e cozinhavam com o sabor que jamais voltei a provar. Num ato de coragem, ousadia ou burrice, tornei-me solitário na amarga existência. O medo ainda paira sobre meu coração e luta numa incansável discórdia com a bravura contraditória que mantém meus dias ainda vivos.
Jaz na terra fria minha mãe querida. Jaz entre o céu e o pó aquela que sempre esteve tão perto e tão distante. O sangue que eriça minha epiderme circula com traços dos meus pensares mais íntimos tão ligados aos dela. Os olhares amigos que me consolaram jamais entenderão minhas lágrimas. O passar dos dias sepultará todas as noites aquilo que sinto e não sei dizer. Como todos os outros mortais por todos eles fui julgado culpado ou inocente.
As lágrimas são tão constantes quanto os sorrisos que me aprazem ao sentir saudades de um tempo que não volta mais. Que o futuro espere e o passado seja esquecido. O vinho ainda aquece minha alma. Tão em breve a dor se acalma até o instante que o amor de mãe ardente me faz arder nos segredos da existência mais presente. A sepultura regada em flores é fortaleza que protege seu corpo. Os dias que me afastam do teu calor sepultam a dor que me torna solitário e louco. Só me resta deixar o sol nascer e viver jovem e forte assim como me pedes no teu silencioso leito de morte.
Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo, 15 de fevereiro de 2009.
À minha Mãe, In memeorian.

12.2.09

O OBSERVADOR

O observador

Nas horas matutinas, quando o dia acorda a noite e a lua se despede da boemia, os deuses reencontram suas moradas. Ruas são sempre caminhos de ninguém. Calçadas, árvores, lixeiras e andarilhos não existem mais, são apenas coisas comuns à paisagem. O que existem são os anfitriões da noite e corruptos do dia. Horas e horas negando o ócio que faz o mundo girar em paradoxos inexoráveis.
Tantas pessoas aqui e ali num zigue-zague maluco. Aquela é tão diferente! Essa parece triste. Estaria aquela outra feliz ou esconde dores que só a alma conhece? O olhar segue os passos, os braços, os jeitos, o individual, o todo. Do alto é possível ver melhor. O que parecia cheio de diferenças é completamente igual. Do alto, a vida parece ou é, uma mera ilusão de ótica.
Para onde foram os sonhos que não se realizaram? Os sonhos não sonhados? Os sonhos frustrados? Vão todos para a morte, lá onde a noite começa e o dia termina como todos os outros. Qual a importância daquilo que você se importa? Toda casa tem uma porta. Isso não importa. Quem passa por ela, abre ou fecha, limpa ou entorta, traz vida ou deixa morta e vai embora. Compre um saco de batatas, um carro novo, fuja para a montanha, vá para o meio do povo. Não importa o que você faz ou com quem você está, no final, você sempre estará sozinho.
Nas horas vespertinas, quando o sol anuncia a lua e os deuses servem para nada, as ruas se derramam embriagadas do dia e o dia se entorpece de madrugadas. Deixem a paisagem se mover e os semoventes com suas dignas loucuras. Chamem as prostitutas e os padres, os intelectuais e os imbecis, as lixeiras e as calçadas, o tudo e o nada. Cantem hinos, bebam vinho. Aproveitem o dia fugaz – “carpe diem” - Festejem os anfitriões da noite e os corruptos do dia. Façam o que quiser estejam onde estiver. Somos todos meros desenhos da paisagem. A importância sempre depende de quem olha. E quem observa, observa sempre a partir de si mesmo.

Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo, 08 de fevereiro de 2009.