2.5.09

O MOTIVO DA DECISÃO


O MOTIVO DA DECISÃO
“Não é a decisão, e sim como e quando você faz algo que é importante. Existe uma diferença em querer fazer alguma coisa e ter de fazê-la (para evitar algum perigo)”. (YALON, Irvin D.)
Gosto de olhar as palavras com cuidado. Elas sempre escondem mil sentidos. Hoje, não por acaso percebi a crueldade da palavra “de-cisão”. Cisão, conforme meu batido dicionário: “Separação do corpo de uma doutrina, de um partido, associação, etc.” Quero evitar as delongas etimológicas, filológicas e semânticas. Vou me deter brevemente sobre a causa e efeito do cindir.
Penso que se pode conhecer muito sobre alguém observando sua capacidade, aparentemente fria, de romper os laços que prendem seu corpo e alma a determinado conjunto de idéias e pessoas. Resgatando algumas leituras antigas encontrei a obra “O carrasco do amor e outras histórias sobre psicoterapia”, de Irvin D. Yalon. Um texto que todos deveriam decidir ler. A passagem em epígrafe me deteve por alguns dias. Primeiro observei o choque da separação. Nascemos e morremos nos unindo lentamente e nos separando bruscamente do mundo. Unimos lentamente porque estamos presos, sempre, a alguma doutrina, partido, associação de indivíduos, idéias e coisas que em determinado momento queríamos ou tivemos que fazer parte. Isso me leva a pensar que nem toda adesão é livre, mas toda decisão deve ser.
Nem toda adesão é livre porque somos facilmente envolvidos por uma série de contingências que aparentemente nos levam para o que queremos. E todos querem o que é bom e feliz. Se fizermos o mal é por que cometemos um erro de razão, um juízo falho. Isso não justifica nenhuma maldade, mas as explica. Sócrates pensava assim sobre a origem da maldade. Para ele é nessas situações que se deve pensar na educação. Trazer á luz o erro cometido e retomar o caminho em busca do que é bom, belo e justo. Na linguagem comum a conhecida máxima: “Errar é humano, mas persistir no erro é burrice”. E assim retorno a idéia inicial de Yalon. Há diferença entre querer e ter que fazer alguma coisa. Essa diferença, portanto é que torna a decisão algo necessariamente livre.
A necessária liberdade em decidir contrasta com a contingente adesão que fazemos a esta ou aquela forma de pensar e viver “no” mundo. Decidir é, por sua vez, pensar e viver “o” mundo. “Pensar ‘a’ vida: eis a tarefa”, afirmava o filósofo Hegel. Mas deixemos de lado também as complicadas e necessárias doutrinas filosóficas. Embora isso seja uma contradição, pois no ato mesmo de pensar assim já estou filosofando. Então talvez eu tenha que deixar de lado essa taça de vinho para escrever com alguma sobriedade. Continuemos com ou sem filosofia e vinho.
A cisão, o corte é brusco e exige coragem seja por querer ou por ter que agir. Se for por vontade, por querer, é necessária a ousadia de deixar morrer aquilo que você foi até então e é imprescindível a prudência para que o corte seja habilidoso ou se corre o risco de matar o passado e com ele a perspectiva do futuro. Se estiver certo sobre meu devaneio, começo a compreender porque sentimos medo ao decidir agir por que assim o queremos. Se agirmos por absoluta necessidade, para evitar algum perigo como exemplifica Yalon, o medo não existe, ao contrário, une em um só golpe a ousadia e a prudência. Estaremos, portanto isentos da culpa pelas conseqüências. Se concordar comigo concordaremos então com Yalon de que a importância de se fazer algo realmente reside no como e quando fazemos, não da decisão em fazer.
Sendo assim, o que pode me impedir de agir é ainda não saber como agir. Portanto se faz urgente criar uma cautelosa e minuciosa estratégia. Essa idéia pode soar um tanto calculista aos ouvidos dos comuns, mas é a melodia que anima os grandes. Traçada a estratégia mesmo que carregada de possíveis erros não percebidos é chegada a hora de saber quando agir. Eis o momento da cisão. Agora todos os fantasmas do medo nos aplacam cruéis e impiedosos. Se o braço do guerreiro tremer ao golpear a espada, pagará com a própria vida. Todo corpo fica tenso, a alma cansa e reluta consigo mesma. Só restam duas alternativas: recuar e fugir para a tranqüilidade e proteção daquela doutrina e grupo que te protegia até então ou ousar sobre o horizonte desconhecido e tornar-se mais do que o medíocre que fora até então. Você quer ou não fazer alguma coisa que deseja?
Essa é a crueldade da de-cisão: Você não tem que fazer, você apenas pode. Se não fizer porque quer, mas tem medo, é um covarde. Se simplesmente ainda não pode porque no momento tem que ser assim, coragem continue procurando saber como e quando poderá. Sim é possível. “Tudo é possível a baixo do sol e da lua”. A separação sempre é dolorida e sempre será necessária depende de como e quando será feita. Cruel verdade não me assusta. No intervalo dessas palavras continuei vasculhando minhas leituras antigas e lá estava Castro Alves cochichando aos meus fantasmas do medo: “Vejo em mim o borbulhar do gênio. Vejo além um futuro radiante. Avante! Brada o talento em minh’alma. E o eco responde ao longe: Avante!”. Dessa forma só me resta uma conclusão sobre a decisão. A causa: ousadia. O efeito: liberdade.

Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo 02 de maio de 2009.