29.1.10

O QUE FAZER COM O PASSADO

O que fazer com o passado?


Um amigo me questionou. Fez uma indagação que deixou minha mente ocupada por vários dias. Ah esses meus amigos! Todos têm uma capacidade enorme para falar sobre coisas da vida que me jogam num precipício de reflexões e sou obrigado a criar asas e voltar com alguma resposta. Se eu não fizer isso, morremos. Eu caio lá no infinito e eles, talvez pulem para tentar me salvar ou pereçam por falta da resposta que, por mais medíocre que seja, poderia ajudá-los. Por esse motivo estou aqui: café, idéias e palavras. Coisas simples, mas que precisam ser escolhidas com cuidado para que não se tornem simplórias.
Perguntou-me ele: "O que devemos fazer quando se tem um rocha sobre o passado, quando você se sente amarrado em uma montanha e essa não te deixa sonhar com o futuro e muito menos agir no presente? "Pergunta inefável que veste bem à mente de qualquer homem que viva para além da mediocridade. Uma vida assim, mesmo que um tanto dolorosa merece ser vivida, pois há nela, reflexão. Aristóteles já ensinava isso há séculos. E alguns ainda afirmam que a filosofia serve para nada. Que bela ironia.
Se o passado nos atormenta ou nos alegra de alguma forma é bom, pois significa que temos um passado e que não simplesmente passamos pelos dias; ou devo dizer, os dias passaram por nós?
Um outro filósofo, Hegel, com o qual tenho uma relação de amor e ódio me ensinou ainda quando fazia a graduação e lia seus textos: "Pensar a vida: eis a tarefa". Genial porque ele sugere que se pense "a" vida ao contrário do que muitos fazem que é apenas pensar "na" vida. Pensar "a" vida significa construir nossa existência, fazer todo o projeto antes da execução por mais que se tenha que mudar esse projeto várias vezes, uma vez que a execução nunca termina. Pensar "na" vida é como se morássemos numa casa que já foi planejada seja por Deus, energia, gnomos ou qualquer outro ser ou coisa que você possa culpar se por ventura a casa cair.
Por falar em projetos e filósofos, meu amigo, muito inteligente já trouxe a resposta, talvez sem perceber, quando citou a filosofia de Heidegger: "Heidegger define a essência do homem comparando-a a ampulheta da temporalidade: de cima, do futuro, vêm as oportunidades a serem aproveitadas; de baixo, o passado se espreme por entre a estreita passagem do presente". Para esse pensador somos "seres em projetos". Ele define esse ser como "Ser-aí", em alemão: Dasein. O Ser aí é o ser que está no presente e se projeta para o futuro. Nosso maior projeto é a morte. Morrer pode ser bom se tivermos feito e realizados bons projetos durante a existência. Vale lembrar que não somos nosso futuro ou nossa morte, nem somos nosso passado, somos seres que estão aí, na existência concreta, no presente. E estar, nesse caso é atividade e não passividade.
O futuro é de contingências. As coisas podem ser ou não ser. As oportunidades que aproveito tornam-se necessárias, pois passam a ser. Tão logo vão para o passado, assim como aquilo que não aproveito. No passado tudo é necessidade: tem que ser porque já foram. O futuro me permite escolhas. O passado é inevitável. É importante observar na tese de Heidegger que "o passado se espreme por entre a estreita passagem do presente". O futuro é aberto. O passado teima em se abrir no presente. Se decidir cuidar apenas do passado, esqueço o futuro em vão porque no passado não há oportunidades. Se quiser mudar coisas do passado, não posso. Posso apenas mudar meu presente olhando o futuro que desponta no horizonte.
Poderia dizer ao meu amigo, preocupado com o passado que o esmaga que "passado é passado" e dar a ele um livro de auto-ajuda. Mas tudo não passaria de mera redundância. Sendo assim digo que o passado deve ser "ultra-passado". Ir além dele, um pobre coitado que se espreme. É fácil ganhar dele quando não se está imerso nele.
O problema dessa loucura toda é que no presente há pessoas que nos julgam pelo nosso passado e não pelas possibilidades do nosso futuro. São idiotas que não sabem fazer reflexão alguma e devem ser ultrapassados também. Lembro quando aprendi a dirigir e queria fazer minha primeira ultrapassagem, mas tinha medo. Meu pai disse: "Para ultrapassar você precisa ter coragem mas também precisa ter cuidado. Só ultrapasse quando puder ver além daquele que está na frente e não se esqueça de dar uma rápida espiada pelo retrovisor". O velho era bom, nunca leu um livro e já citou, sem saber, Shakespeare que falava, com palavras mais bonitas é claro, que "ousadia e prudência são elementos indispensáveis para quem deseja empreender um grande feito".
Se o passado pesa sobre nossos ombros é porque escolhemos, no presente, a possibilidade de carregá-lo. Atlas era o deus mitológico responsável por carregar o mundo. Tudo bem, ele era um deus, deixemos que os deuses sofram por nós. Caso alguém se interesse mais pelo nosso passado que pelo nosso presente esse alguém deve ser ignorado porque atrapalha a visão no futuro.
Queira desculpar se não tenho a resposta esperada é que você mesmo a trouxe. A estrutura da vida está abalada? Modifique os projetos. Você é o arquiteto e o próprio operário. O tempo corre TIC-TAC, TIC-TAC, olha a ampulheta! Olhemos para aquilo que se abre acima de nós ou cairemos pela estreita e perigosa passagem do presente sendo soterrados na nossa própria existência. Obrigado pela pergunta, amigo, construí asas antes da queda no abismo e voltei para voarmos juntos. Vamos logo! TIC-TAC, TIC-TAC, tic-tac, tic...

9.1.10

FLOR-DE-LIS



Pequena flor-de-lis.
Lábios mais doces que a virgem dos lábios de mel.
Encanto sereno de pele bronzeada, lembra do poeta a amada, verso, estrada, canção ...
Encanto-me por ti e canto, qual bem-te-vi a te esperar.
Com armas de outro mundo, talvez de amor profundo,
me aprisionas em teu olhar.
Rosa dos meus ventos,
que sopra meus pensamentos para o norte dos pensamentos seus.
Como queres que eu sorria,
se o poeta que habitou em mim um dia, há muito já morreu?
Morreu por tua causa, morreu por teu amor.
Morreu...
e não sentiu dor.
Mas agora, quando o poema no peito palpita,
traz logo correndo um laço de fita,
reata ao encontro deste braços o contorno
dos traços do amor que já viveu.
Dizem os feiticeiros, artistas e outros loucos,
que o amor se faz aos poucos e a loucura também.
O que temes linda musa,
que de loucura não lambuza
os seios e os anseios deste amor?
Não te preocupes com os mortais,
cuida apenas para que jamais apague, o raio de luz ...
Qual raio perguntas?
Fique atenta, não hesite.
Porque ainda existe um poema pra você.
Atenção!
Junte as palavras soltas,
brinque de ciranda com estas loucas que tem algo a te dizer.
A vida parece fácil,
mas considere todos os espaços e o tempo a fluir.
Ouça, o vento leva um bilhete, mas é preciso saber ler.
Traduza os beijos, os desejos, o olhar.
Conheça, ainda antes que pereça, tudo aquilo que podes amar.
Esqueça de ti,
pois de mim já esqueci e nem quero mais lembrar.
Juntemo-nos às estrelas,
que parecem tão pequenas por distante estar.
Distância.
Eis a palavra chave para que se trave o ato do sonhar.
A distância pode estar mesmo quando se está por perto,
isso é certo, se não souberes observar.
Bem ali, do outro lado do rio que já passou
há um espaço para o abraço e no recanto do regaço vem,
pequena flor me embalar.