13.12.10

Ao meu filho – verso VII

Amado filho. Há uma verdade inquestionável no mundo da existência que você precisa saber. Se não souber por mim descobrirá por conta própria. A verdade é esta: Algumas pessoas vencem, outras não. Isso parece óbvio quando conseguir ler essas palavras. Mas tudo depende do que significa vencer. A idéia de vitória estará diretamente atrelada ao teu tempo e aos teus sonhos.
Não posso dizer se fui vencedor ou perdedor porque hoje, no meu tempo, não sei o que significa vitória. Busquei a inteligência nos livros. Busquei a riqueza no mundo do capitalismo. Busquei o amor na vida das grandes paixões. Encontrei? Sinto muito, não tenho certeza da resposta. Por muitas vezes uma boa garrafa de vinho e um charuto me fizeram esquecer o mundo da vida e me perder em minha reles divagações filosóficas. Assim tudo o que tenho a pronunciar é meu sonho de ouvir você dizer, que teu critério, foi vitorioso. Se por ventura também não sabe, peço que tenha paciência. Coisa que não tive. Tudo o que fiz foi lutar bravamente. Tive ou terei alguma recompensa? Não sei.
Vez ou outra sinto-me cansado e tudo perde sentido. Há muitas dores na minha alma. Não digo isso para que tenhas pena de mim ou para me desculpar se me julgar um pai perdedor, digo isso porque é o que sinto. Sobre minha mesa, na parede da minha casa e sobretudo no meu coração está tua imagem. A figura de um lindo menino ainda pequeno e com tão poucas preocupações sobre a existência. Ou seria com tão grande compreensão do mundo? Não sei, não posso dizer assim como jamais alguém poderá julgar com segurança o que passa em minha alma ou na de qualquer ser humano.
Confesso que estou um pouco entorpecido pelo vinho que bebi e tranqüilizado pela nicotina que malignamente ataca meu ser. Procure evitar esses vícios verdadeiramente combatidos pela moral e os bons costumes. Tua avó materna é uma pessoa religiosa e fiel a Deus. Também tua avó paterna o era. Eu não acredito muito nas crenças delas, mas me parecem pessoas felizes e conformadas com o mundo. Se decidir seguir essa compreensão do mundo, não temas, eu jamais o reprimiria se me disser que está feliz e souber dizer porque está feliz.
Sei que todos os pais, ou aqueles julgados como “bons pais” pela maioria das pessoas deveriam te ensinar o que é o caminho correto. Eu te deixo apenas liberdade de ser quem deseja. Poderei discordar de algumas formas que pense. No entanto basta me dizer: “ papai, sou feliz assim”. Terá então todo meu apoio. O mundo é muito vasto e um pouco complicado a meu parecer. Mas pode ser simples ao teu viver. Então não temas o mundo como ás vezes eu temo. Seja corajoso filho. Tua mãe te amou e cuidou de você com um amor que jamais poderás imaginar. Respeite-a, por favor. Ela é menos ousada que teu pai e a prudência maternal que a conduz é invejável.
Talvez eu devesse pedir perdão por minhas loucuras e quimeras existências, mas não pedirei. Cabe a você julgar e culpar se assim considerar necessário. Quero apenas que saiba que todo o dia penso em você e te amo. Agora mesmo, não sei se deixarão que leia essas palavras. Cabe aos justos decidir. Caso leia saiba que são palavras sinceras e que nesse momento o medo aplaca meu coração assim como outrora a coragem o moveu.
Sei muito pouco sobre a vida, embora a tenha pensado constantemente. Há muitas regras e muitas exceções. Não sei o que dizer. Não sei qual regra deva seguir ou quebrar. Sei apenas que estou só e quero mais um abraço antes de partir.
De seu pai
Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo, 12 de maio de 2009.

8.12.10

Colóquio de intelectuais

Estava entre intelectuais. Isso significa que não sou nem intelectual nem tolo, pois estou "entre", "no meio de". Mas isso também significa que, além de intelectuais poderiam estar também os ignorantes, uma vez que eu estava lá e não sou intelectual. Deixando à parte o trocadilho lógico, quero falar sobre os que lá estavam. Gosto de observar; sou uma espécie de voyer fascinado em observar pessoas encenando atos de sabedoria.
Na medida em que observo crio em minha mente o que conceitua algumas espécies. São muitas! Uma das espécies de intelectual que mais abomina, são os humildes. Lembrando Schopenhauer de que a humildade é um pedido de desculpas pela incompetência alheia. Eles pedem a palavra ao invés de dizerem logo o que pensam se desculpam com chavões do tipo: "caso esse não seja o momento mais apropriado", "ainda não estou bem certo disso, mas..", "me corrijam se estou enganado", e por aí segue a ladainha. Eles tentam colocar simplicidade no que dizem, para não parecerem arrogantes e se tornam chatos. Ora, se não sabe se aquela é a hora apropriada pra dizer o que pretende então significa dizer que ele não sabe do que se trata a questão, logo não deve falar. Se ainda não está certo do que vai dizer, ou seja, está inseguro ou fale para saber se estava certo ou fique quieto até saber. Ainda, se está enganado no que falar, é óbvio que, se realmente houver intelectuais no local, ele será corrigido.
Há o intelectual a la Chaplim. É o tipo de mímico que enquanto os outros falam ele apenas gesticula franzindo a testa como se estivesse discordando ironicamente; dá um risinho disfarçado para dizer "esse aí que está a falar é um idiota, nem vou discutir com ele"; ou ainda balança a cabeça concordando, para dar a entender que está entendendo tudo o que outro fala quando na verdade entendeu coisa alguma, mas como também sabe nada, fica por isso mesmo.
O intelectual sofista por sua vez, espera alguns falarem, junta algumas coisas, mistura com outras e no final diz outra, mas com o tom e a perspicácia de quem falou algo muito sério e correto. Se o verdadeiro intelectual estiver ausente, ninguém irá contradizer, afinal não são capazes de desfazerem um sofisma com um silogismo correto e verdadeiro.
O intelectual esperto fica atento o tempo todo, quando surge uma oportunidade que vai ao encontro da única coisa que ele sabe na vida, fala e termina geralmente com: "mas esse é um assunto muito complexo que não vale a pena entrarmos agora". Assim ele pode sentar e ficar quieto o resto do colóquio e sairá impune de ter dito besteira, mas também não disse nada interessante.
Facilmente se encontra o intelectual fanático. Leu uma única teoria ou autor na vida toda e supõe que pode adaptá-lo a todo e qualquer assunto. Esse espécime levanta-se e diz: "- Como diria fulano (cita o fragmento preferido) podemos perceber que esta é a solução". Com esse o intelectual verdadeiro nem perde tempo, pois sabe que não há possibilidade de diálogo. A única saída seria também conhecer aquela teoria ou autor específico e demonstrar que não serve para o assunto em pauta. Mas como o verdadeiro intelectual não é obrigado a conhecer todas as teorias, essa seria apenas uma possibilidade.
Acho estranho o intelectual da paz. Esse sujeito toma a palavra, fala e fala bem, mas caso alguém apresente um segundo ponto de vista, o que poderia iniciar um bom dialogo, ele recua com a máxima de que "uma idéia não vale uma amizade". Coitado, uma boa idéia vale sim uma amizade, uma vida, inclusive a própria vida em alguns casos. Se algum cristão discordar disso, cai em contradição, pois o tal Jesus, tipo de intelectual fanático, morreu por uma idéia. E o cristão, tipo de intelectual da paz, morre sem maldizer o mundo porque uma idéia pagã não vale a eternidade. Aliás, sem querer fugir do assunto, essa idéia de eternidade deve ter sido criada por algum intelectual sofista.
Tem o intelectual xérox. Alguém fala algo que ele pensou ser interessante e legal, quando este termina de falar ele "pega um gancho" e parafraseia o primeiro, sentindo que disse algo importante e recebe por isso apoio do anterior, claro ele falou a mesma coisa.
Gosto do intelectual que, além de verdadeiro é bem humorado. Fala, faz piada do que disseram de bobagem, faz piada dele mesmo sem constrangimento e é aplaudido porque ainda falou de forma clara o que todos queriam dizer há horas.
Recentemente classifiquei uma espécie peculiar, a dos intelectuais in memoriam. Eles não dizem uma só palavra durante as discussões, mas depois quando o colóquio termina, ficam pelos corredores querendo comentar teses, ou defender idéias novas ou criticar esse ou aquele intelectual. Esses diabos serviriam apenas para informar o intelectual que chegou atrasado, saiu mais cedo ou dormiu durante alguns momentos. O que seria um péssimo serviço é verdade, mas merecido para que o "perdido" aprenda a "trotear ou a sair da estrada". É trote mesmo, porque é uma espécie em metamorfose, possivelmente com ancestrais ou descendência da espécie dos eqüinos.
A espécie dos intelectuais verdadeiros ainda é conhecida mais por aquilo que não é do que por aquilo que é. Mas considero um bom intelectual o que ouve o que estão falando, ou sabe o que vai falar, caso seja ele quem inicie o debate. Depois de ouvir o que falaram, pensa sobre o que falaram e sobre o que ele poderia falar de interessante. Se tiver algo a dizer, fala e aceita o desafio de ser contradito e discutir até perceber que estava enganado, que está sendo enganado ou que ainda ninguém conseguiu formular o pensamento mais claro e eficaz.
Penso que o verdadeiro intelectual seria como o velho Sócrates, que antes de falar ou ouvir algo, procurava saber se aquilo era Verdadeiro, Bom e Útil. Do contrário, ficaria em silêncio. Se esse for um conceito válido de intelectual, certamente teríamos menos colóquios de intelectuais e mais silencio sob a face da terra no século XXI.