29.6.12

Ao meu filho - Verso I


Espero pelo futuro quando minha voz
Te venha à memória,
Num tempo em que a lembrança dos meus abraços
Ainda aqueçam teu corpo de anjo pequeno;
A canção de ninar inda soará em teus ouvidos e poderás sentir
Que fui e sou um dos teus amores.
Podes voar se quiseres e
Me deixar a ver o horizonte.


Voa pássaro meu.
Quero tua coragem, isso me basta.
Mas se sobrar um pequeno tempo
Do teu voo sobre o oceano
Lança um pensamento,
Um canto, dizendo:
- Pai eu te amo.
Assim, repousarei meus olhos sob a terra,
Saberei que desta minha vida pequena
Te dar a vida foi tudo o que me valeu a pena.

12.6.12

A existência



O mundo, repentinamente, parece se lançar sobre mim como um cão raivoso.
Os postes, como guardas discretos a me observar, enfileirados em sua onipotência ereta.
A calçada calcula meus passos.
As árvores registram meu pensar através da leitura molecular da minha respiração.
Até a fumaça do meu cachimbo redemoinha em torno do meu rosto tentando me sufocar.
Traidora miserável que tenho por companhia inseparável.
As pessoas passam depressa.
Estariam fugindo de mim?
Mas não sou eu o monstro, seus desgraçados!
Quero sair daqui, mas minha razão está inerte.
A poesia me prende no mesmo lugar e os significados emudecem minha voz.
O cão vira-latas é o único que demonstra compreensão.
Talvez porque se sinta a minha altura.
E minha altura já se sente e se senta no chão.
O caminhar cessa e agora rastejo.


A força dos braços é menos resistente que a folha apodrecendo na sarjeta.
Rolo sobre as pedras e esbarro na folha seca.
Tento retirar dela os vermes e trazê-los perto de mim para que me consumam com maior rapidez.
Até mesmo estes me ignoram.
O mundo é mal.
A maldade está corrompendo as estrelas e a noite é coberta de cinza.
A dor já retrai meus músculos e os espinhos entranham minha epiderme.
O texto foge dos meus livros e as páginas ficam amarelas na medida em que as folheio.
A vida fica insossa, inodora e incolor.
Com sofreguidão ergo as míseras pálpebras pesadas e vejo os pés da Morte montando guarda.
Morfeu ri e se afasta. Grito!
E o grito se perde antes mesmo de tocar os lábios.
No último e desesperado esforço caio além do chão em que me encontro.
A terra se abre numa fenda minúscula e nela desapareço imperceptível ao mundo que fica.

8.6.12

Poema de inverno


Os transeuntes começam a exibir seus belos casacos de inverno. O vagabundo mudou seu mundo debaixo da árvore para o espaço aquecido pelo sol, logo depois da fonte, no meio da praça. Aquele casal de namorados com livros do colégio, concluiu que seria melhor se abraçarem com mais força para não dispersas a energia dos corpos. Enquanto isso, numa choupana além do horizonte. Um casal de velhinhos pensou que deveriam reunir mais lenha para a lareira e fazer a cama com uma coberta a mais. Os passarinhos se amontoaram no galho da árvore de tal forma que pareciam um travesseiro de plumas. A gata veio se deitar, preguiçosa, aos pés da dona gorda que decidiu assinar um serviço de TV para assistir às novelas mexicanas. As crianças guardaram suas bicicletas. Meu filho ganhou um par de luvas, mas não gostou delas porque limitam a habilidosa curiosidade das mãozinhas de bebê.


Toda essa nostálgica movimentação para receber os dias frios. Alguns os esperam, outros esperam que passem logo. É todo um ritual que se inicia. O inverno implica numa mística propícia ao acolhimento enquanto que os dias quentes nos envolvem mais para o acasalamento. De certa forma, não se pode negar que é o trabalho da natureza transformando a tudo com sua lógica intangível.
Quanto a mim, continuo a observar e a brincar com as palavras. No entanto, também tomei algumas precauções: comprei mais vinho e tabaco para o cachimbo; separei alguns livros como Goethe, Schopenhauer, Pessoa, Sartre e Fagundes Varela; convidei alguns amigos para o ócio criativo; e, não pensei nisso mas sei que irei pensar sobre a chuva, o silêncio, o medo e todas essas coisas que me farão abrir outra garrafa de vinho.