30.1.13

A função pedagógica da tragédia. Uma triste, mas necessária reflexão.



Inquestionável a dor. Inevitável o luto. Indubitável o temor. Instintiva a compaixão. A tragédia bagunça a alma.
Os gritos ecoam silenciosamente pelas ruas. O medo se banha no luar e acorda, ao amanhecer, refletido pelo sol nos olhares perdidos no horizonte cinzento. É estranho se reconhecer no outro nunca conhecido. Dói viver diante da dor de morrer. Um suicídio lento jamais concretizado. Passado, presente e futuro paralisados. Medo, compaixão, raiva, saudade, amor, responsabilidade, tormento. Necessária a purificação dos sentimentos.
Os antigos gregos usavam a tragédia como forma de reflexão social. Para o filósofo Aristóteles, a função da tragédia é de, por meio do temor e da compaixão, purificar os sentimentos. A catarse (termo hoje amplamente utilizado pela medicina e a psicologia) deveria purificar as almas por meio de uma intensa liberação emocional provocada pelo drama. É a partir das tragédias que se desenvolveu a filosofia socrático-platônica e, com ela o conceito de alma (psiché). De acordo com esse pensamento o homem só pode conhecer o mundo quando conhece a si próprio. “Conhece-te a ti mesmo.”
Na peça, “Antígona”, Sófocles, narra o drama de Antígona cujo irmão está morto e foi proibido pelo rei Creonte de ser enterrado. Caso ela não enterre seu próprio irmão, não lhe concederá o culto religioso que completará o ciclo da vida. Esse seria um erro terrível para com sua família. Se Antígona enterrá-lo, cometerá um crime contra a cidade (Estado) visto que o rei proibiu que qualquer um o enterrasse.

Milênios depois de “Antígona”, vivemos drama semelhante na tragédia que levou ao chão mórbido, centenas de irmãos mortos. O mesmo conflito entre o indivíduo, as famílias e as leis do Estado. Por que permitimos isso se a lição já havia sido ensinada? Sim, somos todos culpados. Por ação ou omissão somos culpados. Tanto a indignação que sentimos em relação aos que agiram de forma negligente quanto a compaixão que sentimos pelas vítimas e familiares, comprovam a culpa coletiva. Precisamos purificar os sentimentos. De forma dolorosa a catarse se faz necessária. Não se trata de expiar a culpa com duras penas. Trata-se do conhecer a si mesmo diante da tragédia. A função pedagógica da tragédia nos leva à triste, mas necessária reflexão sobre a parcela de culpa que temos por não tê-la evitado.
Inquestionável a responsabilidade dos (des) organizadores e “profissionais” que não tomaram as providências necessárias para garantir o direito ao lazer com segurança e proteção à vida. Inquestionável a responsabilidade do Estado que cria leis, mas não fiscaliza com seriedade. “As leis não bastam, porque os lírios do campo não nascem das leis”, é preciso cultivá-los além de querê-los. Inquestionável a nossa responsabilidade que, frequentando inúmeros ambientes como o deste triste cenário, vemos as irregularidades e não as denunciamos ou não nos recusamos a frequentá-los. Peca-se por ação. Peca-se por omissão.
Minha alma está uma bagunça. Choro a dor da humanidade perdida. Choro minha dignidade ferida pela ausência da reflexão, pela ausência da prevenção. Conheci um pouco mais de mim mesmo. Lição pedagógica que dói a alma. Preferia a palmatória. Choro como Antígona diante do irmão morto sem o direito de dar-lhe descanso a alma por causa da lei do Rei. Choro porque no Estado Democrático o povo é autor e destinatário das leis, portanto por elas responsável e diante de cada tragédia que se repete, comprovamos nossa incapacidade de governar. Que essa purificação dos sentimentos seja arrefecida por dias mais claros. Que o grito silencioso dos mortos pelas ruas da cidade que me acolhe jamais silencie minha voz diante da injustiça eminente. A tragédia é uma lição pesada demais para se repetir no próximo ano.

Sidinei Cruz Sobrinho.
In memoriam às mais de 230 vítimas de Santa Maria.
Janeiro triste de 2013.

2.1.13

Colibri


Tens o brilho de luar intenso,
Jeito de carinho imenso
Que não caberia no universo.
És tão linda que beleza igual
Poeta algum diria em prosa e verso

Noite fria sem estrelas.
Eu perdido em pensamentos,
Por segundos, horas e a todos os momentos,
Pensando naquela de sorriso brando e quente,
Parece distante e ao mesmo tempo tão presente,
Que seria capaz de ficar doente
Para em seu lugar sofrer

Bela que aos deuses encanta,
Sorri porque é pura como a flor branca,
Sorri, porque minha tristeza espanta
Traz de volta minha alma de poeta esquecido,
Me deixa aqui perdido em tua lembrança.

Sorri porque tem olhar do mar aberto,
Porque tem todos os anjos por perto
E faz os cabelos balançar ao vento,
Sorri porque é, desde que a conheci,
o sorriso mais certo, meu colibri, meu pensamento.