16.1.14

E se eu morrer?

E se eu morrer amanhã.
Quem tomará meu vinho?
Quem dançará meu tango?
Quem beijará minha flor?
Quem deitará meus sonhos?
Quem amará meu filho?
Quem fará o ninho do nosso amor?
Quem escreverá os versos que ainda me doem?
Quem rezará aos pés da minha amada com tanto carinho?
Se eu morrer amanhã, não me zango.
Meu querido Deus do céu,
Se eu morrer amanhã,
Permita-me terminar esse vinho
Em noite de amor e tango
Bailando em Montevidéu.

El bandonion



Ao som “del bandonion”
Eriçavam-se os pelos.
“Mi corazón”.
Morena uruguaia.
Flor-de-lis.
Atalaia.
Pequena guapa dos meus apelos.
Noite portenha de amores plenos.
Pelos, tango, sereno.
Gauchinha, olhos de jabuticaba.
Domas meu coração “aporreado”.
Flor liberta do tango entristecido.
Baila comigo.
“Recuerdos” longos vividos.
Sonha-me m beijos eternamente dados.
Beija-me em futuros já domados.
Salva-me em teus braços aconchegados.
De onde vem ó minha pequena?
Par onde me leva o som do bandonion?
Leva-me a mais um tango.
Quero bailar em teu coração.

Suicídio



De tempos em tempos é imprescindível praticar pequenos suicídios.
Matar, aqui ou ali, dentro de si, experiências definhadas.
Apagar da memória as páginas rascunhadas.
Permitir-se sofrer de uma morte breve.

Recolhe-te dentro de ti mesmo.
Vá preparado para uma batalha.
Leve todas as armas necessárias.
Muitas delas falharão.
Morra dos excessos de si.
Ataque sem piedade aquilo
Que já não te serve mais.

Não é necessário cultivar muitas memórias para ser lembrado.
Inevitavelmente será esquecido. Por muitos, sequer conhecido.
É uma burrice humana essa coisa de se imortalizar.
Esteja pronto para sacrificar os demônios, disfarçados de anjos sapecas.
Não se iluda.
Cuidado.
Existe muito mais num pedaço de papel guardado, que uma simples lembrança.
Sente-se, confortavelmente no meio dos teus arquivos.
Rasque tudo o que puder.
Atenção!
Não excites.
Eles são bons conquistadores e não precisam muito esforço para te fazer desistir.
Segue firme e resoluto.
Você já é realmente adulto o bastante?
Desapegue.
Respeite apenas os livros, pois eis que estes sempre são outros a cada visita.
Jogue fora.
Queime.
Dilacere.
Livre-se de tudo o que te causa demasiada nostalgia.
Viver é preciso.
Morrer, também.
Não se consegue ir muito longe com um fardo muito pesado.
Sim, doerá e talvez você tenha que parar um pouco pra chorar.
Pare se for preciso.
Jamais volte atrás.
Não te arrependa.
Atire de modo certeiro para que não reste suspiro de misericórdia.
Vai, olhe nos teus olhos.
Olhe e puxe o gatilho.
Morrer é sabedoria.
Renascer é dolorido.
Morre numa noite fria.
Campo florido.
Atire.
Morte metafísica.
Talvez você não sobreviva.
Suicídio da maldade.
O que é a vida,
Senão aprender a morrer
De verdade?

O pulo do gato

O gato desceu do telhado.
Caminha sobre o muro e sob a lua
Observo, debruçado sobre a janela.
Sou sentinela em noites de verão.
Os olhos do gatuno estão esbugalhados.
A noite me é distante e nua.
O gado pulou do muro.
Morreu no escuro.
Olhos de felino destacados.
Estrelas de menino da escuridão.

14.1.14

Nudez

Despir palavras ocultadas na alma.
Calma despida no silêncio.
Silêncio gritante no corpo.
Ambulante que morre no caminho.
Caminhar é preciso.
Pensar demais é um risco que encurta a estrada.
Despidas, lado a lado, almas e corpos.
Destendido no lapso da memória apenas o desejo.
O beijo. A vontade. A ousadia.
Despir a noite do dia.
É preciso ir além de si mesmo.
Enfrentar o medo.
Quebrar o egoísmo.
Pular o abismo.
Despir-se.
Despedir-se.
A vida é cinema mudo.
Encontros despidos de tudo.

Ritmo


O tempo é o pensamento em tormento.
Corre. Corre e nunca morre.
A pausa é vida em morte lenta.
Lenta. Lenta. Lenta.
Quem nunca tenta,
Nunca experimenta.
Quem se arrepende.
Aprende. Prende.
Não lamenta.
Inventa.
Você é pausa ou correria?
É noite ou dia?
Tic-Tac, Tic -Tac.
Plic -Plac.
Onomatopeia gramatical.
Viver o tempo não faz mal.
Pausar a vida?
Decisão mortal.
Corra, mesmo que morra.
Invente, mesmo que de repente.
Só os covardes pedem pausa.
Só os fracos param o tempo.
Desculpas não justificam.
Subterfúgios não explicam.
Os tormentos amplificam.
Amplie seu dom.
Ou vai morrer em baixo tom.

Morrer



Se eu morrer amanhã posso dizer que venci.
Não porque ganhei, mas porque nunca desisti.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que amei.
Não porque sou feliz, mas porque sempre sonhei.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que sorri.
Não porque fui triste, mas porque já chorei.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que conquistei.
Não porque fui romântico, mas porque me entreguei.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que tive brilho.
Não porque sou luz, mas porque tive um filho.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que fui herói.
Não porque conquistei reinados, mas porque superei o que dói.
Se eu morrer amanhã, posso dizer que estive vivo.
Não porque nunca morri, mas porque enfrentei o perigo.
Se eu morrer amanhã, não poderei dizer.
Não porque mortos não falam, mas porque me atrevi a viver.

Desertos



Dias que passam.
Passageiros vão e vem.
Passarinhos sem asas.
Astronautas no trem.
Dias que afastam.
Forasteiros sem casas.
Anjos pequenos
Saltitando na alma.
Homem forte.
Pedra inquebrável.
Menino agora.
Vulnerável.
Às vezes a solidão
É uma dor necessária.
Evita dor maior.
Vulcão com lavas frias.
Homens distantes.
Transeuntes.
Passageiros do além.
Sonetos cancioneiros.
Tambores de gritos libertos.
Desertos. Desertos. Desertos.

Rua Bacacay



Saíram para um passeio. Um desses recreios bons que se permitiam vez ou outra. Cruzaram a rua para o outro lado que continuou a ser o outro lado do lado de cá. Ele pensou por um momento nessas armadilhas da linguagem. Acendeu um cigarro. Segurou a mão da amada. Seguiu com um sorriso maldoso no rosto como que se tivesse enganado a lógica.
Na rua caminharam de mãos dadas, lado a lado. Na praça, beijaram-se, frente a frente. No café, degustaram-se, presença a presença. Não precisavam falar muito. Palavra demais é ausência. Conversaram longamente em silêncio.
De onde estava ela, admirava o Teatro Solís. De onde estava ele, via a livraria na qual há pouco havia comprado um disco de Gardel. Antes da livraria enxergava ainda a fachada antiga num prédio antigo na antiga Rua Bacacay. Antes mesmo da antiga fachada, no antigo prédio, eles também estavam e se avistavam na Rua Bacacay. Leu um letreiro logo acima da sua cabeça, que dizia: “Café Bacacay.” Ela continuou a leitura de um livro que comprara há pouco na lojinha do Teatro Solís.
Ele continuou a olhar a rua e antes, bem antes de ver a livraria, de lembrar-se de Gardel, antes mesmo da antiga fachada, no antigo prédio, antes, depois e dentro da Rua Bacacay, antes, muito antes, mas com tamanha antecedência que nem lembrava o que vinha depois, enxergava e admirava ela. Ela que era antes de tudo aquilo e que tinha um sorriso digno de ser sorrido na rua Bacacay.
Tomou seus negros olhos emprestados e viu a livraria sendo lida, Gardel ouvido, o teatro encenado, a fachada fechada se abrindo. A rua antiga de vida nova foi florindo. O letreiro soletrou um verso para cada letra. O café, degustado ao infinito. Bacacay, de silêncio, passou a ser grito.
Caminharam mais um pouco naquele dia. Ela lhe serviu doce de leite na boca, com lasciva e alegria. Com o mesmo sorriso que fez florir a rua Bacacay.
Quando voltaram pra casa, lembrou-se que havia lhe tomado emprestado os olhos negros. Devolveu-os cuidadosamente. Foi assim, que ao findar o dia, finalmente entendeu porque ela veio. Ele precisava ver além do olhar. Ser, além de estar. Ir mais vezes do que voltar. Estava cego e ela lhe acendeu um vaga-lume no caminho.
Talvez um dia eles voltem a passear pela ruela da velha Montevidéu. Irão sentar novamente no Café Bacaccay, na rua Bacacay de onde se pode ver a Livraria e o Teatro. Então ele abraçará suas mãos e lembrarão o dia que saíram para passear e se permitiram mais um recreio na rua Bacacay.

Verdades



Um dia você aprende que existem verdades condenadas ao teu silêncio. Não fale de todo amor que sente. Oculte, em noites solitárias, as dores que sofre silenciosamente. Um dia, talvez já tarde demais, descobrirá em tua alma, verdades que já deixaram de ser tais como eram. Deita teu corpo sobre a ponte no Porto. Sente o vento que leva sempre um pouco de você em cada sopro? Ouve o acordeom chorando ao lado, nas mãos de um músico triste? Os poetas, os músicos e os pardais tem direito a serem cinza e tristes. Para aliviar tua dor, senta na ponte. Contempla o pôr do sol em Puerto Madero.
Amanhã, para onde vai?
Não importa. Um dia também se aprende que nem sempre quem vai também volta. Entre estrangeiros também estranha a tua própria presença? O diferente desnuda o que parecia igual e comum. Mas em tua terra também não se encontra estranhamente? Não se preocupe meu menino. Segue teu caminho sempre em frente. Um dia você aprende que na vida não existem muitas verdades como desejava em tua juventude. Carrega contigo, então, todas as perguntas.
As respostas?
Respostas são verdades fugitivas que vocês esqueceu de por em cárcere privado sob a tutela de pergunta certa.

Maldita Dogma


Naquele dia, ao entrar na Paróquia de San Telmo, o peso divino feriu minha alma com espinhos arrancados da coroa do Salvador. Não que Deus exista ou sofra eu dessas “desaventuranças”. Mas a Igreja com sua maldita dogma, sempre soube nos fazer lembrar a pequenez humana. Nisto, deve-se a Mater Misericordiae todos os créditos. Senão assim, o que explicaria as centenas de pessoas que se acumulam aos milhares derramando pranto nos altares do senhor Jesus?
Não me falta luz nessa vida confusa e barulhenta. Contudo, ao entrar na igreja e me ver defronte à cruz sangrenta, o mundo pareceu bem mais escuro do que é. Admitir é necessário. Até então, não descobriu a psicanálise cura mais simples que essa da Igreja que te faz aceitar o próprio e pesado calvário.
Vez ou outra, chorar é bom, mesmo que seja escondido por detrás da pilastra onipotente que se ergue aos céus. É o infinito te fazendo lembrar-se da finitude.
Ergo-me. Sigo sozinho. Sempre se está só no mundo. Ainda espantado com os que não aprenderam a caminhar só, e ficam ali, rezando ajoelhados:
“– Deus, óh Deus, ajuda-me a levantar. Amém”