14.7.07

SOBRE AS PESSOAS MÁS.

- O que é a chuva papai?
- São anjinhos que choram do céu!

Era inverno, estava em meu escritório lendo quando meu filho entrou. Chovia muito e os galhos da araucária balançavam pesados no vento. Ele sempre me fazia essas perguntas de criança. Gostosas perguntas para um pai imerso na filosofia. Mas a minha resposta não havia sido uma resposta filosófica, foi apenas poética e tirada, não sei como, do enorme baú que em minha alma guardava idéias e pensamentos ingênuos do meu tempo de criança.
De pé, quase não enxergando sobre o limiar da janela, ele conseguia ver apenas as copas das árvores. Ficou ali, olhando longe na chuva que caia sobre o vidro, formando bolhas de saudade. Girei minha cadeira e com ele meu olhar também se perdeu lá fora. Foi quando meu filho olhou pra mim, em silêncio por alguns instantes, como sempre fazia antes de perguntar algo. Era como se ele estivesse procurando as palavras e palavras era o que não faltava naquela engenhosa cabecinha.
- Então eles devem estar muito tristes hoje papai.
Falou e voltou a olhar a chuva. Na sua mão direita segurava uma mamadeira e uma toalhinha na qual sua mãe havia bordado o nome dele e a levava por todos os lugares. Eu continuava olhando a chuva e havia dado atenção a ele com o canto dos olhos. Ele não se importava com isso, porque sabia que eu o olhava profundamente. Minhas respostas também demoravam um pouco a surgir e sempre havia aqueles majestosos minutos de silêncio na maioria dos nossos diálogos. Meu filho já esclareceu, sem saber, muito dos meus grandes dilemas filosóficos.
- Sim filho. Talvez eles estejam tristes hoje.
Às vezes eu me limitava apenas a reafirmar o que ele dizia e esperava que sua imaginação trabalhasse em busca da possibilidade de me dizer o que ele pensava.
- Papai!- ele falou agora com um sentimento de angústia que fez suas pequenas cordas vocais transmitir um som rouco e quase abafado - eu acho papai, que os anjinhos estão tristes porque há pessoas más.
- E o que são pessoas más filho?
- Ora papai, são aquela que magoam os anjinhos.
Nesse exato momento, vimos um catador de papel que passava na rua empurrando um carinho e dentro dele uma criançinha. Ia a passos rápidos. Meu filho olhou e sua mãozinha delicada se ergueu apontando ao transeunte.
- Veja papai. Um anjinho caiu do céu dentro do carinho daquele homem. Aquele homem, papai, não é uma pessoa má, porque ele está levando o anjinho de volta pro céu!
Foi assim que aprendi que é difícil saber quem são as pessoas más. Porém sempre se reconhece uma pessoa boa, mesmo que não se tenha filosofia ou idade pra isso.

3.7.07

EU E AS PALAVRAS


As palavras entram em ebulição. Lá dentro, não sei certo aonde, vão aquecendo e explodem veias, músculos e ordenam que meus lábios falem ou que minhas mãos escrevam. Se as contiver, pela angústia serei contido. Algumas até morrem, mas outras são maiores que eu e precisam nascer.

As palavras são diferentes das coisas e assim fica difícil saber o que são coisas e que coisas são as palavras. Penso que a alma quieta é uma alma sem palavras; uma alma ainda não germinada. "E o verbo se fez carne e habitou entre nós". Deus é isso, palavra. Amor? Palavra também. Dor, alegria, tristeza, saudade... Algumas palavras doem no silêncio da alma, outras palavras doem nos ouvidos e outras ainda, nos lábios.

Que sentido tem a palavra? É difícil responder. O que algumas palavras fazem sentir é o sentido que têm ou o sentido que damos a elas?
Silêncio também é palavra. Talvez a palavra mais cheia de sentido, porque quando não ditas, todas as palavras podem vir a ser. Por isso o silêncio é tão misterioso. Quando alguém fica em silêncio, nossas palavras tentam dizer as palavras que o outro não diz. Nesse caso, melhor é nada dizer.

Wittgenstein, um filósofo alemão que abandonou as aulas na faculdade para ensinar criancinhas, dizia no famoso aforismo sétimo do Tractatus Lógico- Philosophicus, que sobre aquilo que não se pode dizer, deve-se calar. Imaginei a humanidade toda em silêncio. O que realmente podemos dizer? Talvez seja por isso que ele foi dar aulas para crianças, elas sempre pedem o que são as plavras.

Sempre que dizemos algo o conceituamos, o (de)finimos e portanto o limitamos. Compreender algo é ter a capacidade de pega-lo e fecha-lo num círculo imaginário, dentro do qual tudo o que dizemos está ali e aquele algo não é nada senão aquilo que está ali. Como posso fazer isso com o amor, Deus, a felicidade, a tristeza, a dor, a ética, o ódio, a inveja e milhares de outras palavras que sempre fogem do círculo. Algumas palavras explodem de dentro de nós apenas para nos deixarem confusos. São como anjos malignos que zombam da nossa mediocridade.

Sempre que tenho essas convulsões lingüísticas eu tenho vontade de abandonar o mundo das palavras, porque minha alma dói. Já tentei, mas "eu" também é uma palavra. Como faço para fugir de mim mesmo?