1.4.08

A MEDIOCRIDADE DA VIDA NORMAL

A mediocridade da vida normal

A solidão alegrava sua alma de poeta. Essa idéia não soava bem aos ouvidos das pessoas comuns. Parecia estranho, e era. Mas tão estranho e tão simples que se tornou realidade e a incompreensão dos outros já estava prevista em seus planos. A necessidade da angústia revelava seu destemor à morte. O que havia nele de diferente era mais que a simples diferença, era o gosto de estar só, era a coragem de pensar a vida como é.
Os boatos correram velozes como o vento tempestuoso quando ele ousou ser o que planejava há anos. Mesmo sem saber ele já havia se transformado e todas as decisões já estavam tomadas. Bastava ele mesmo se perceber do que havia decidido ser. Todos encararam os fatos com surpresa. Uma surpresa falsa e disfarçada, certamente, pois ele tomou o cuidado de transmitir vários sinais preparando o dia decisivo. Como ninguém queria aceitar estes sinais agiram como se não fossem transmitidos e criaram em si mesmos o engano. Assim seria mais fácil culpar apenas um pela suposta repentina mudança. Mas a culpa também já estava prevista.
O dia fatídico demorou a chegar. Foram meses ou anos para se medir os pensamentos. Não sabia exatamente quanto tempo levou porque tinha certeza que vários momentos lhe fugiram da consciência. Isso também era esperado. Afinal não se pode evitar o inevitável e esse, não se pode conhecer. Se fosse possível calcular friamente todas as experiências que o formavam ele não seria o que é. Seria outro, mas esse fato, embora previsível é incompreensível. Na verdade ele mesmo tem dúvidas se é o que é ou se é o que poderia ter sido. Parece contraditório, mas no mundo das contingências tudo é possível, inclusive a necessidade. Esse era o ponto crucial que o diferenciava dos demais. Todos pensavam sob a égide do dever-ser. Ele pensava sobre o ser em si mesmo, e esse era seu escudo.
Houve quem o condenasse abertamente. Obviamente também surgiram os dissimulados assim como alguns que dissimulavam foram disseminados das suas relações. Ao cair da noite, quando a lua acompanhou seus sonhos, fez-se homem e escolheu a liberdade. As lágrimas foram inevitáveis. Vários choravam porque eram grilhões. Ele chorava porque sem grilhões perderia a segurança da normalidade. Esse era o preço líquido, a recompensa era incerta.
Tudo já estava bem ali, claro e preciso, guardados como tesouro nos apêndices da memória. Mas viver aquilo ainda lhe causava certo temor e o desejo de enfrentar o medo era o que movia sua transformação. O único medo que restava era o de não sentir medo algum. Isso, porém, jamais deveria ser quebrado, pois sabia que o excesso de ousadia prejudicaria sua prudência o tornaria um tolo ao invés de um herói.
Enfim juntou o que era necessário: livros, tabaco vinho e whisky. Este último para queimar a nostalgia e os outros para mantê-lo diferente. Sabia que poderia se arrepender, sofrer e ser difamado mas preferia isso a continuar vivendo naquela segura e feliz mediocridade a qual muitos chamavam de "vida normal".

Um comentário:

pablo disse...

Excelente! Sem dúvidas, de todos os poemas é o meu predileto. De certo, pela identificação do óbvio que se busca transcender. Porém, é um óbvio obscuro e abstrato, um desconhecido que causa temor. Essa alegre vida normal mediocre que nutre a muitos, e que a poucos - tão poucos - repugna. Se sou feliz por tudo que sou, mais feliz sou quando minha alma sente náuseas!