9.6.08

O dia em que tive pena de Deus.

Hoje eu pensei em "deus" e, sinceramente, me compadeci do pobre coitado. Estava a gozar os tímidos raios de sol que aqueciam minha tarde de inverno. Ouvi duas vizinhas, possivelmente dessas pessoas que tem alguma tara por desgraças, pois narravam uma para a outra os últimos boletins de ocorrências policiais. E a notícia, nada nova, era de que a casa de fulano havia sido invadida por ladrões na noite passada. Na verdade as palavras da vizinha foram: "Assaltaram a casa do fulano". Eu imaginei um homem com uma "meia preta" na cabeça, arma em punho, dizendo pra casa: "Mãos ao alto", e a casa levantando o telhado apavorada, como naqueles desenhos infantis. Decidi apagar o cachimbo que fumava, pois com tal imaginação eu poderia ter me enganado no tipo de erva, então o que descrevi foi o que eu entendi que ela quis dizer. Mas não vamos entrar em discussões chatas de semiótica e semântica agora, afinal é domingo. Voltemos então ao tal deus que mereceu minha compaixão.
O comentário da outra vizinha para a notícia foi: "eu sempre peço a Deus que se tiver que acontecer - Deus me livre! - que seja quando eu não estiver em casa". E a outra continuou: "Meu Deus do céu, hoje em dia a gente só vê desgraças." A conversa continua nesse tom por alguns minutos. Falavam tanto em deus nisso e deus naquilo que até ergui a cabeça em direção a elas para ver se o "Cara" não estava ali com elas. Já pensou? Eu iria correndo pedir um autógrafo. Nossa, devo mesmo ter enchido o fornilho do cachimbo com alguma coisa estranha.
Como não estava interessado em continuar ouvindo a conversa nada produtiva sobre a tragicidade do mundo moderno, voltei meu pensamento para "Deus". Calma, não vou fazer nenhuma pregação de experiência divina e purificação da minha alma agnóstica. Compadeci-me de deus porque fiquei a imaginar como ela faria para atender tantos chamados. Como já disse Nietzsche, "o homem criou deus a sua imagem e semelhança". Sendo assim imaginei deus sentado num escritório, com ar condicionado, várias secretárias, visão ampla e alguns quadros avaliados em milhares de dólares, afinal de contas ele é "o cara", merece um local de trabalho à altura, ou seria "nas alturas"? Tudo bem, esquece a precisão conceitual, é domingo. Aliás, até nisso ele se encontra: domingo vem do latim dominus, dia do Senhor. Puxa vida, o cara é bom mesmo.
Droga! Fugi do assunto novamente. Desculpem-me, vou jogar fora aquele cachimbo. Imaginei deus lá, no seu escritório. Mil anotações: deus me ajude aqui; deus me salve ali; graças a deus acolá, se deus me ajudar nisso, meu deus naquilo e assim por diante. Quanto trabalho! Pior, em pleno domingo. Senti pena do abençoado senhor com tantos afazeres. Acomodei-me novamente ao sol, pois essa história me tirou a paciência. Para não tirar a tua paciência lendo isso concluo: Resolvi meu incômodo existencial exclamando para o vazio: Meu deus do céu, quando é que vamos deixar o bom senhor descansar um pouco e começar a assumirmos a culpa pelas nossas próprias incompetências!

Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo, 8 de junho de 2008.

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