23.10.06

BIBLIOFILIAS E BIBLIOFOBIAS

Bibliofilias e Bibliofobias
Sidinei Cruz Sobrinho[1]

Se você “enrugou” a testa ao ler as palavras acima, certamente não sofre de bibliofilia. Ao contrário, pode significar um sério sintoma de bibliofobia.
Possivelmente este foi um dos testes mais rápidos a que você respondeu na sua vida. E nem foram necessárias muitas perguntas seguidas de um sistema de pontuações ou de um divã para se chegar a tal conclusão. Aliás, se fôssemos bibliófilos convictos, não precisaríamos de tantas outras coisas que estraçalham nosso pobre dinheiro para nos dizer coisas tão óbvias. Mas este é o problema: bibliofobia causa cegueira.
Um bordão sobre a leitura é corretíssimo: “Quem lê, viaja!”. Nunca usei drogas pesadas, mas se está correto que o momento de prazer que elas causam é, como dizem, “irado”, vocês precisam ser bibliófilos, isso equivale a ter múltiplos orgasmos múltiplos. Se um orgasmo sexual é bom, um orgasmo intelectual é igual ou ainda melhor. A grande vantagem é que o acesso à vida intelectual, ao contrário das drogas, é uma viagem de ida e volta. Ele te leva para além da realidade e quando você volta consegue compreender a realidade na qual você estava, mas até então, cego e sem autonomia. Por este motivo quando numa sala de aula ou numa conversa com amigos você faz um raciocínio que transcende a realidade para compreender a própria realidade, ouve-se o inevitável: “Viajou!” ou então: “Você tá no mundo da lua cara!”. E você está mesmo. Já viu fotografias da Terra vista da Lua? Quer imagem mais contagiante?
Mas os pobres interlocutores sofrem de bibliofobia e não aceitam o único tratamento disponível, que por sinal, só tem efeitos se auto-aplicado: Primeira dosagem; leitura elevada à milionésima potência, todos os dias ao menos durante uma hora para iniciantes com aumento gradual de dosagem. Segunda dosagem: após a leitura, receita-se um bom diálogo com bibliófilos iniciais e avançados. Sempre, logo a seguir desta dosagem, repetir a primeira para que a segunda, da próxima vez, seja mais intensa e produtiva.
Seguir a receita acima nem sempre leva ao estado de relaxamento que você sente após o sexo. Mas certamente leva ao orgasmo que, como o sexual, exige a delicadeza, a minuciosidade e a persistência de um artesão e de um poeta. Se você não conseguiu estabelecer a analogia proposta é um bibliófobo de carteirinha ou nunca teve um orgasmo ou então está usando muita droga.
Se você recorreu ao dicionário para compreender as duas palavras do título, primeiramente: Parabéns! Já começou seu tratamento. Se mesmo recorrendo ao velho “pai dos burros”, não compreendeu bulhufas; por favor, se dirija a palavra “metáfora”. Se mesmo assim as palavras: “Viajou na maionese” persistem em sair de teus lábios; não tem problema. Este foi apenas um tesão literário que senti para brincar com algumas palavras. Ao contrário do que muitos pensam, o mundo da leitura e dos estudos pode ser bem humorado sem que, por isso, se torne uma piada. E como nunca se pode experimentar a dor ou a alegria de alguém para saber o que realmente ela sente, vá continuar seu tratamento. Com certeza encontrará algo bem mais interessante, compreenderá porque o óbvio às vezes parecia tão obscuro e terá argumentos para o diálogo.
Se você leu até aqui, mesmo que seja para dizer que tudo o que eu disse não é importante, irá precisar daquilo que eu disse para me dizer isso.

[1] Professor FAPLAN. Mestre PUCRS sidinei@faplan.edu.br

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