4.6.08

CIDADÃOS INCOMUNS


Cidadãos incomuns

Um amigo esteve em Amsterdã nas férias (quanta inveja!). Inveja mesmo depois de conversarmos através do MSN. Ele estava, na ocasião em um bar e me contou sobre o que acontecia: Viajantes de vários países realizavam um concurso para ver quem dizia mais "palavrões" no seu idioma pátrio. Isso deve ter produzido mais efeito nas suas almas que um ano de terapia. Melhor ainda, (por favor, crianças não leiam essa parte), fumava-se maconha no café da manhã e tinha chop à vontade. Se ele me contasse isso quando eu ainda era seminarista, iria correndo para a capela rezar pela alma desses pobres pecadores e voluptuosos boêmios. Mas agora eu me felicito com a alegria dos que, ao menos por alguns momentos na vida, podem ser inúteis, boêmios, vagabundos. O que me faz lembrar a canção de Miucha ao amigo Vinicius: "Meu poeta vagabundo, ah se todo mundo fosse assim como você!"
É bem verdade que todo mundo não pode ser vagabundo, alguém precisa ser útil, sério e "homem de bem". Como cantava Toquinho em Pequeno perfil de um cidadão comum: "Era um desses cidadãos comuns que se vê na rua, vivia o dia e não sol, a noite e não a lua (...) um homem de bons modos (...) feito aquela gente honesta, boa e comovida que caminha para a morte pensando em vencer na vida, que tem no fim da tarde a sensação da missão cumprida." Mas há muitos cidadãos comuns o que deixa margem à alguns serem incomuns. Ë bem verdade que estes precisam de coragem, audácia e, acima de tudo paciência para ouvir tantas críticas dos homens de bem. Estes são tão bons que além de serem úteis para o mundo ainda encontram tempo para formular regras moralistas e mesquinhas sobre como todos deveriam viver que, por óbvio, seria viver igual a eles.
Felizmente o meu amigo consegue ser um homem útil, com sua inefável crítica ao direito penal. Acredite, ele consegue ser advogado e ao mesmo tempo ler Sartre, Levinás, Habermas. Eu já disse que ele é como dizem os nossos alunos, "fora da casinha". Sinceramente espero que ele jamais volte pra "casinha". Afinal, além dos homens úteis que investem na bolsa de valores, constroem pontes e discutem as cansativas normas dos códigos sem antes ler a Constituição, precisamos também de provocadores que vão contra a ordem; que ainda sabem o que significa utopia e que, como o poeta, conseguem ter inspiração na construção discreta da vida.
Um dia desses ainda vou para Amsterdã. Mas até guardar dinheiro pra isso meu amigo e eu vamos sentar no bar da esquina, pedir um vinho e falar sobre coisas demasiado capciosas para os cidadãos comuns. Se quiser, aparece por lá, mas não leve moral alguma.

Sidinei Cruz Sobrinho

Passo Fundo 30 de maio de 2008

Um comentário:

Gabriel Reis disse...

Li ambos os textos que você me mandou por email. Gostei mais do "Como escrever um poema", não irei dizer que me identifiquei completamente com qualquer um deles, mas há verdades, em ambos, pelo menos para mim.

Não é querer ser chato, não é querer critica-lo, mas gostaria de expor meu ponto de vista em relação ao senhor, e a visão que você, professor, me passou, é a que qualquer outro adulto, cansado com a vida, me passaria...Que é a de estar "cansado de tudo isso", "cansado da luta incessante pela sobrevivência".

Mas quem sabe qual é o modo certo de viver? Se é que existe um, agora como podemos reclamar e criticar as coisas das quais não lutamos mais para mudar, as quais aprendemos a viver com, pois lutar contra é muito cansativo, envolve um investimento muito grande, e uma chance muito pequena de ser recompensado, afinal de contas, mudar o mundo não é fácil... Mas é necessário.

Desculpe se tudo isso não faz parte da sua pessoa, ou se é muito 'ofensivo' da minha parte, em momento algum foi de minha intenção invadir a sua privacidade ou desmerecer o senhor.